Posted on Leave a comment

Striptease na pandemia

Se deparar com o silêncio é enlouquecedor. O apartamento era chique, tudo milimetricamente no lugar.

Nos últimos dias ela estava só. Ninguém podia entrar. Dispensou a empregada doméstica e o personal trainer, a contragosto, mas no condomínio o pedido foi explícito: Liberem seus funcionários pelo bem de todos, precisamos controlar as entradas, temos 06 casos suspeitos aqui.

Solidão pesa, ainda mais para quem se engana. A filha mora em Brasília com o marido, se falam bem pouco. O ex casou faz 10 anos com uma jovenzinha, como ela diz, e até hoje não conversam.

Solidão pesa. Você tem que se olhar, quando tudo que te sobra é você mesmo. Sentir isso era uma facada no peito. Não tinha amigos para ligar, sempre implicava com todos. Era chata. Impecavelmente chata.

As pessoas se afastam de quem só enxerga problemas, só critica.

Sandra, esse era seu nome, mas ela nem se lembrava. A vida inteira foi Sazinhah, que ela escrevia com o H no final desde menina. Achava chique como os copos de cristais que ganhou no casamento há 35 anos e que continuam intactos, sem uso.

Sua vida foi cuidar da casa, mas sempre com ajuda de empregada doméstica. Cada ano uma. Ninguém durou muito ali. Ela implicava. Não era rica, mas tinha uma boa condição. Classe média-alta, casou bem. Fez um acordo no divórcio de uma boa pensão, afinal, ele tinha condição.

Hoje o incomodo foi enorme quando o som alto do vizinho chegou aos seus ouvidos, a música falava rezadeira…. ela se irritou, como sempre aliás. Ligou na portaria para pedir para abaixarem. O som vinha do vizinho, que ela nem sabia quem era. Evitava entrar no elevador com outras pessoas, odiava sentir outros perfumes além do dela. Era chata até o infinito.

A música não parava e se repetia. A portaria retornou e disse que ninguém atendia. Ela poderia bater no vizinho e pedir para abaixar, mas só de pensar sua mão gelava.

Engoliu seco, e foi deixando aquele som diferente entrar na sua mente, no seu corpo. Foi até o espelho, olhou uma mulher com a expressão dura, parada, pensou: deve ser o botox.., os vários preenchimentos. Nunca tinha percebido sua falta de expressão. Doeu, assim como doeu olhar para a cristaleira com aqueles copos de cristais esperando a melhor ocasião. Esperando há 35 anos!

Foi para a varanda, a música que falava benzedeira não parava. De irritada começou a se movimentar, olhava para as áreas do condomínio, todas vazias. Super irritada, começou a se soltar e a dançar. Devo estar louca, pensou. Jogou as almofadas no chão. Foi fazendo um striptease até ficar nua. Nua e só.

Nua e com os cristais. Nua dançando ao som do vizinho. Resolveu beber, por sorte tinha um vinho bom. Presente da dermatologista pelo aniversário, afinal, gastou um bom dinheiro com ela. Não gostou, nunca gostava de nada. Chata.

Nua, abriu o vinho, fez uso da taça de cristal, até que enfim, a ocasião. Dançou na varanda, nua, com o copo na mão ao som do vizinho. Bebeu a garrafa inteira.

Lembrou-se de quando era uma criança e de tudo que NÃO vivera até ali. Lembrou a pandemia. Lembrou da dor da solidão. Dançou até o último gole e jurou que se saísse viva daquilo, mudaria tudo, começaria convidando os vizinhos para um vinho e decidiu que todos os dias da sua vida usaria seu jogo de copos de cristal, até para beber água. 

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde faz curadoria dos textos e também escreve. Publicitária. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre as consultorias de comunicação e marketing e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa . 

Foto: @gilguzzo @ofotografico