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O WhatsApp nos Tempos do Covid

-Mas é pavê ou pacomê? – Imagine aquele tio das festas de Natal podendo marcar presença em todos os momentos de seu sagrado confinamento social.

Entre grupos de família ou de amigos, de pais da escola, do condomínio, da academia e tantos outros, surge uma nova habilidade social nessa tortura do isolamento: Driblar o WhatsApp!

Começa com um “BOM DIA!” Seguido de uma imagem fofa, em seguida vem as piadas, “para alegrar o dia”, geralmente vídeos longos, sotaque carregado, nordestinês tem a preferência, mas tem também gaúchês, mineirês, caipirês, interiorês de São Paulo, qualquer um que instigue o que tem de melhor nos preconceitos. Tem piada machista, misógina, política e,
tantos mais. O que elas têm em comum? Essas piadas nunca alegram o dia. E mulher gostosa que conta piada machista então? E o tiozão completa, “mas até elas pensam assim”. Você:

-Tio, não é que elas pensem, elas estão lendo um texto para o deleite de véio babão.

Na sequência, vem a opinião de cada um do grupo, tios, primos, cunhados, sobrinhos e agregados, cada um com sua opinião e, do nada, é claro, estamos falando de política. Creio que a frase inicial é algo como:

-Então, o que vocês preferem é ver mulher feia, né? E segue:

-Feia é a mulher do Macron, por isso ele está contra o Brasil do Mito, que tem mulher bonita.

Quando você diz feia ou bonita, só para eu me encaixar na conversa, é para olhar, comer ou ter uma conversa produtiva?

-Mas você é esquerdista mesmo, não?

-Demorou para chegar nessa conclusão?

A discussão já tem conversa paralela, definição de esquerda, feminismo, feio e bonito, entra rachadinha, 89 mil e stf na feed. Entre fake news e boatos, com seus respectivos desmentidos, alguém lembra que estamos em 2020, que ano! Tomara que acabe logo. Não adianta nada dizer que o ano pode mudar, mas que, sem vacina, continuaremos em isolamento.

-Você tomaria a vacina chinesa?

-Talvez, mesmo porque gosto do nome sinovac, lembra o meu (hehehe). Mas eu não tomaria a russa, que não foi testada a ponto de se confiar nela.

-Por que não, você não é comunista?

-: /

Outra discussão está se definindo no horizonte, mas, antes que ela comece, aviso que preciso levar o cachorro para passear. Não tenho cachorro, mas preciso caminhar. Visto minha máscara e aproveito o sol da manhã. Logo, na esquina, escuto a voz de uma criança, na varanda de um prédio:

-Vai para casa sua arrombada.

E é por isso que eu fico com a pureza e a inocência das crianças.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de Humor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.