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Um ano pós início da Covid-19

Custo a acreditar que um ano se passou, ainda tenho uma sensação de irrealidade apesar de ter me acostumado às máscaras, aos protocolos e ao distanciamento social, não farei desse texto um julgamento, ou reclamarei da atitude das pessoas, não quero e nem me colocarei na posição de juíza, me recuso, já não tenho tempo a perder.

Foi um ano lindo: tive a oportunidade de conviver muito estreitamente com minhas filhas e meu marido, a logística do dia a dia simplificou, cada beijo e abraço foram mais especiais, estar em praças e parques me fez sentir em uma viagem, um privilégio, não me faltou alimento e eu não tive que vender meu botijão de gás para comprar comida e cozinhar com querosene no fogareiro (muitos tiveram), não me faltou um abraço apertado e um carinho em momentos difíceis, meu pai foi vacinado, ele pegou Covid em dezembro, não precisou de internação, sobreviveu, continuou a trabalhar, aparentemente não teve sequelas, a gratidão inundou meu coração, a cada dia ao abrir os olhos senti alegria por estar viva, por ter minhas pessoas favoritas com saúde e ao meu lado e mais um dia para estar nesse mundo, finalmente consegui ler o livro do Roberto Bolaño, uma conquista pessoal incrível, já tinha tentado um milhão de vezes antes e não, não era o momento, encontrei mais conforto e alegria nos livros, não desisti das caminhadas, elas mantiveram minha sanidade, virei fã dos óleos essenciais, especialmente o de lavanda, para acalmar, cada longa conversa com amigos foram celebradas como uma festa, cozinhei bastante e sempre com música para animar o dia.

Foi um ano horrível: Em alguns momentos senti que não conseguiria levantar da cama e enfrentar a mesmice, chorei bastante, me senti no limite do estresse, pensei em procurar um psiquiatra, achei que iria perder o controle, quando meu pai perdeu o paladar e olfato e sabia que teria que levá-lo ao hospital, eu não queria, perdi o ar, pensei nas minhas filhas, achei que teria crise de pânico, pus a máscara ( a do autocontrole também) e fui, ele ficou bem, na nossa família ninguém se contagiou ou se sim, fomos assintomáticos, nos encontramos no Natal e no dia 31/12 estava no hospital com ele, passamos dias tensos, tudo passou. As crianças voltaram para a escola de maneira presencial, não durou muito, me acostumei a comprar por internet, antes comprava apenas alguns itens, mudei. Tive que enfrentar climatério e lidar com a adolescência das minhas filhas, mistura explosiva, senti uma sensibilidade inédita, tudo mudou de proporção, chorei demais, como dizer que tudo está bem se ao redor tantas pessoas estão morrendo ou passando fome, como não se sentir tocado com o sofrimento alheio,  sobre a administração da pandemia pelo presidente e ministros, vou me abster, parei de ver e ouvir notícias com constância, não tenho estômago, tive que escolher entre manter o equilíbrio ou ficar informada, hoje escolho as notícias que leio.

Entre o lindo e o horrível da vida com pandemia, tento focar no fato de que a vacina chegou,  minha família e amigos estão bem dentro do possível dessa situação, vivo um dia de cada vez e procuro ter consciência de cada minuto dele, saboreando como uma manga madura, penso várias vezes antes de ser dura com alguém, relevo, faço o que posso para ajudar dentro do meu possível, ao mesmo tempo outro dia me vi jogando uma assadeira no chão com violência, enlouqueci,  gritei com minha filha, depois chorei, me arrependi e abracei, nunca fui uma pessoa de ceder a esses impulsos violentos, minha filha disse que surtei, falei que estava só sendo humana, me perdoei, me permiti ser imperfeita e me aceitei com virtudes e falhas, tudo faz parte do viver, apesar das agruras, das saudades, das batalhas diárias a alegria vibra aqui dentro, quero seguir assim com ou sem pandemia, nunca houve garantias mas a iminência da morte nos ensina a escolher melhor, a perdoar rápido e a aproveitar qualquer brechinha para escolher e usufruir as pequenas alegrias do dia a dia para conseguir fôlego para lidar com os desafios.

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.
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Vitão

Moto boy Vitão

Entrega aqui, agora, na hora

Quando pedem…

Vitor, Vitão e sua moto

Quase uma música…

Seu capacete fora da validade

Ninguém sabe, ninguém viu

Entrega, corre

Aplicativo ativo

Pandemia ativa

Mais motoboys

Mais entregas

Mais concorrência

Menos dinheiro…

Vitão sem muito estudo

Gosta de pilotar

Gosta de correr riscos no trânsito

Adrenalina e ignorância

Incoerência na balada abalada funk

Gosta de Rosa

De Violeta não

Tira o capacete

Pitota na estrada vazia

Rosto no vento

Perigo iminente

No ar

No tombo que pode levar

Na multa que pode tomar

Na vida que pode evaporar

Vitão, sem sentir o que pode perder

Voa como o pássaro no céu

Respira fundo, profundo

Chora pelo vizinho que se foi

Pela prima que não tem ar

Pela mãe que precisa trabalhar

e se arriscar na lotação lotada

Vitão, o grandão, o da moto, o boy

Sabe exatamente o que é, onde está e o que quer

Por isso chora, mas é de alegria por estar vivo.

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde faz curadoria dos textos e também escreve. Publicitária. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa. 

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Você sabe de onde eu venho?

Em meio a uma crise mundial onde tudo parece diferente, onde uma palavra pungente não cansa de aparecer, onde esta tal de pandemia, pegou uma ruim mania de nos entristecer, pergunto meu querido amigo, você sabe de onde eu venho?

Em meio a pessoas ruins que teimam em jogar nosso país na lama, em meio ao nosso povo que teima em não se unir, polarizando sua força sem lutar pelo que é certo, eu pergunto meu amigo, você sabe de onde eu venho?

Entre hospitais lotados e o meu povo passando fome, no olhar desgastado do pai de família, que se ajoelha ante ao caos montado por quem desgoverna estes país, eu lhe pergunto meu amigo, você sabe de onde eu venho?

Eu venho daqui e de lá, eu fui forjado por um povo que não conhece o medo de lutar, eu fui feito pelas serras gaúchas, eu fui montado pela caatinga do sertão nordestino, pelo sol do meio dia da Bahia, pela chuva de Belém do Pará, pelo tempo mesclado das quatro estações da capital do meu País.

Eu não me entrego, fui índio, fui negro, fui asiático, fui português e muitos outros, mas hoje eu venho daqui, das entranhas deste povo, hoje eu venho da brasa de fogo da bandeira verde que ecoa em nosso olhos, hoje eu venho de um povo que insiste em vencer tudo que se propõe a fazer, então meu caro, já vou dizer sem medo de errar, apesar de já ter sido muitos, hoje sou brasileiro e novamente vou ganhar.

Estou maltratado, separado, abatido, mas não vencido, não é esta pandemia que vai me derrubar, não é o governo corrupto que vai acabar comigo, sou da terra e do ar, não tenho medo de lutar, vou novamente me levantar e novamente vou ganhar, para que em algum fevereiro da vida eu volte a festejar, porque sou brasileiro, sou de luta, sou de força não sou descansar.

Quero todos aqui, juntos, vamos deixar de criticar, vamos levantar a nossa bandeira, a mesma bandeira que é sua, é minha, vamos mostrar as nossas raízes e vamos vencer esta crise, porque nós não sabemos perder, não nos ensinaram a nos render, não nos mostraram a tristeza de ficar parado, nós vamos novamente vencer por o único motivo, nós viemos do Brasil.

André Araújo – Belo Urbano. Homem em construção. Romântico por natureza e apaixonado por Belas Urbanas. Formado em Sistemas, mas que tem a poesia no coração. 46 anos de idade, com um sorriso de menino. Sempre irá encher os olhos de água ao ver uma Bela Mulher sorrindo.
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ESPERANÇAR

Num intervalo de um ano
Tantas coisas acontecem
Sempre foi assim
Mas viver um ano em pandemia, ah por essa quem imaginaria?

No início foi assustador
E meio que novidade
Quem pôde fez trabalho remoto
Estudo remoto
E teve mais de um terremoto

Cozinhar, exercitar, meditar…
Alguns conseguem se equilibrar
O que não pode é acostumar
Com o crescente número de mortes que vimos o mundo todo anunciar
Enfim chegaram as vacinas
Mas com produção ainda limitada
O melhor é não aglomerar

Um ano se passou
Agradeço por cada vida que chegou
Oro pelas famílias que alguma perda experimentou

E sigo com a esperança, do verbo esperançar, que ela não nos permita o ato de acomodar.

Cristiane Pires Benevides Ribeiro – Bela Urbana. Administradora com especialização em Qualidade e Produtividade. Esposa, mãe, entusiasta da CNV e sócia da CrisB Consultoria e Treinamento. Adora praticar ioga e curte um treino bem puxado, Ama aprender, seja com livros, com pessoas, com a natureza e valoriza a qualidade de vida na conquista de produtividade!
@crisbconsultoria
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A casa da Dora

Há um ano atrás eu estava lá.  Na casa da Dora. Os cachorros brincavam, nós conversávamos muito, falávamos do jardim, tão lindo. Somos amigas há 42 anos. Lá eu cozinho, sento na varanda, sou acolhida de uma forma deliciosa.

A CNN entrou no ar,  logo trazendo a notícia de um vírus com alta taxa de letalidade  chegando abruptamente no Brasil, medidas de contenção sendo discutidas, lockdown na Itália…… isso assustou,  provocou silêncio na mente, no coração e no olhar.

Ficamos perdidos.

Será que minha cachorrinha e eu conseguiríamos voltar para casa sem problemas?

A Dora e eu gostamos de costura.  Então fizemos nossas primeiras máscaras. O marido dela  – Edison – acompanhando as notícias todos os dias.

Voltei. Assustada, passei quarenta dias isolada, quieta, um misto de medo e incredubilidade.

Nesse meio tempo minha cachorrinha morreu. Toda dor ficou acentuada como se fosse um espinho no peito,  um espasmo sem fim na garganta. Meus vizinhos Simone e Rodrigo trouxeram um jantar para mim.

Ir à horta a cada dez, dias virou o melhor programa do mundo!

A TV pifou. E fui acudida pelo Rafael, que me trouxe uma extra. Que delícia falar com alguém, ver alguém querido!

É assim foram seguindo os dias,  o sentimento de orfandade sendo acentuado.

No dia das mães fui adotada. Cinco mulheres incríveis me incluíram no café da manhã surpresa para a mãe delas (minha prima querida).  Fui surpreendida com flores, doce com velinha e um inesquecível coro de vozes no meu “parabéns a você, nesta data querida…”.

Esse ano não está sendo fácil para ninguém.  São tantas idas e vindas politicas,  tantas mortes,  tantas pessoas irresponsáveis,  mas…. EU FUI ADOTADA.  E ADOTEI. Um cachorrinho que estava quase morto e, pesando 300g, e hoje está incrivelmente sadio.

Penso que a pandemia ficará para sempre em mim como o melhor e um dos mais difíceis períodos da minha vida.

Periodo de muitas reflexões,  adaptações. 

Desejo profundamente uma adoção para todos.

Porque quero voltar para a casa da Dora.

Ruth Leekning – Bela Urbana, enfermeira alegremente aposentada, apaixonada por sons e sensações que dão paz e que ama cozinhar.  Acredita que amor e física quântica combinados são a resposta para a vida plena.
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Para que você precisa de uma pandemia na sua vida?

Essa pergunta me fez avaliar o que estava fazendo do meu tempo, da minha vida e consegui dar novas direções.

Me fez agir!

Consegui caminhar com um novo acessório, mas não precisei de oxigênio, porque ainda tinha fôlego para sair do poço e emergir para uma vida com mais sentido e significado.

Talvez você precise da pandemia para ter mais fôlego para …

… Estar mais perto da sua família, das pessoas que moram debaixo do mesmo teto que você…

… Tirar aquele projeto do papel…

… Finalizar aquele curso que comprou e assistiu pouco ou nenhuma aula…

No último ano:

– Mudei de um apartamento para uma casa maior.

– Meu relacionamento afetivo avançou.

– A relação com minhas filhas ficou melhor.

– Me permiti comer mais devagar, com prazer em saborear os alimentos e a companhia das pessoas à minha volta.

Foi um ano diferente, de muitos cuidados extras, sobretudo de cuidado pessoal.

Muito zelo, carinho e amor comigo e com as pessoas mais próximas.

Aqui em casa, tivemos a sorte de não ser atingidos de forma tão negativa por esse vírus.

O contágio do afeto foi alto e afetou as relações que vivi com muito mais intensidade.

Quando esse período pandêmico iniciou, eu ouvi essa pergunta que mexeu demais comigo: “Para que você precisa de uma pandemia na sua vida?” e as reflexões que segui fazendo ao longo desse último ano, são as que compartilho contigo agora.

  1. Quanto tempo tenho desperdiçado?

2. O que tenho feito da vida? Tenho olhado para mim e para as pessoas que realmente importam?

3. Como tenho utilizado esse ativo tão precioso e que está à minha disposição neste exato momento em que respiro?

Ainda em tempos de pandemia…

Enquanto há vida, há tempo para fazer novas todas as coisas.

Pense nisso!

Luana Carla – Bela urbana, analista corporal e comportamental. Sua paixão é poder contribuir para evolução da nossa espécie através do seu trabalho, sendo facilitadora do processo evolutivo interno, auxiliando pessoas a encontrarem soluções para seus conflitos de forma mais harmoniosa possível, respeitando seu funcionamento natural. E assim viverem em paz consigo e com o ambiente a sua volta.
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Tudo passa

No isolamento, 380 dias, desponta uma luz de esperança de final de guerra. Uma experiência jamais vivida no país. Armas de combate são desenvolvidas e produzidas, a uma velocidade nunca dantes alcançada, graças a esforços de incansáveis cientistas por todo o globo. Neste país, governantes atrapalhados continuam se digladiando pelo poder, culpando de cá e de lá, uns aos outros, aproveitando-se da crise. Pessoas refletindo esse mesmo comportamento dos lideres, cada vez mais, impacientes, intolerantes a opiniões divergentes.

Na televisão, mostram covas e baús mortuários disponíveis para os próximos mortos. Filme real de terror com notícias desanimadoras de todas as partes do mundo, pessoas morrendo pelas ruas, hospitais lotados. Previsão anunciada com antecedência de mais de um milhão de mortes no Brasil dentro de seis meses. O que pensar?

Surpreendente e assustadora se mostra essa guerra à saúde física e também emocional.

Por mais de um ano, fico amedrontada, pensando no ataque microscópico, invisível e inexplicável. Especulações e suposições surgem de todos os lados com notícias desencontradas. Futuro incerto e ameaçador.

Será que eu vou morrer amanhã ou no mês que vem? Telefonemas recebo de empresas funerárias, oferecendo planos vantajosos. Pronto, será que é minha hora?

Não, ainda não. Não me deixo abater, sei, são oportunistas de plantão, buscando atingir seus objetivos à custa do medo da morte, do enfraquecimento das defesas psíquicas. Quantos teriam caído nessa armadilha?

Lamentável tragédia, em todo o mundo, milhares de pessoas partindo. Entretanto, muitos milhões atingidos, se recuperando. Vitórias também acontecem nas batalhas pela vida. Nem tudo está perdido.

O isolamento incentivando novos hábitos; incentivando-me a plantar e cuidar das plantinhas do quintal, ouvir músicas e tocar piano, organizar fotos e filmes antigos, escrever memórias de vida. A impressão de uma partida iminente, pela flechada microscópica, faz-me pensar no que, devo deixar. Faço o inventário de histórias e imagens para meus netos.

Numa velocidade inédita, vacinas começam a surgir e mostrar que o final de guerra pode estar chegando. Os otimistas, como eu, sentem alívio, ainda crendo que nem tudo está resolvido e liberado. Não me iludo: – “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”.

Nesse momento, acende a luz de esperança, informada sobre a chegada de minha arma, minha defesa contra o vírus da coroa. Poderei finalmente começar a pensar na luz lá fora. Começo a vislumbrar um sonho possível de aproximações, beijos e abraços.

Como estará lá fora, aqui tão perto? Sairemos fortalecidos no amor e mais tolerantes com as diferenças. Assim espero. Tudo sempre passa.

Flailda Brito Garboggini – Bela Urbana. Pós graduada em marketing, Doutora em comunicação e semiótica. Dois filhos e quatro netos. Formada em piano clássico. Hobbies música, cinema, fotografia e vídeo. Nascida em São Paulo. 4 anos como aluna, 35 anos como professora de Publicidade na PUC Campinas. É aquariana (ao pé da letra).
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QUEM SEREI QUANDO ELA SE FOR?

Eu acordei. Abri os olhos, mas não quis me levantar. Puxei o celular da mesinha de cabeceira e vi que muitas mensagens chegaram durante a madrugada.

Ninguém dorme? O sono é um opioide salvador e necessário. Mas, quem descansa? Quem tem paz quando se é refém do ar que respira? Quem relaxa por oito horas como se o amanhã fosse um lugar seguro? Quem se levanta da cama de primeira em 2021 sem antes refletir sobre todos os acontecimentos das últimas 24 horas?

Eu me perco nos meus pensamentos e quando, de fato, presto atenção no relógio, sobra pouco tempo para fazer as coisas de forma espaçada. Eu devo tomar o café em frente ao computador, permanecer com a câmera desligada enquanto o edema das olheiras não passa pelo choque do creme, filtro solar e uns beliscõezinhos nas bochechas que uma influencer sugeriu para parecer mais saudável.

Não me sinto saudável.

Há um ano não ando tranquila, não caminho no sol, não passeio, não abraço uma amiga, não consolo, nem sou consolada.

Há um ano os planos foram desprogramados e no horizonte não se vê uma probabilidade segura de realizar nada que envolva o tremular dos horizontes: as fronteiras estão fechadas, estamos cercados. Me sinto cercada, enclausurada, imobilizada.

Há um ano minha vida se desvenda entre muitos amanheceres nas janelas quadradas do meu apartamento, compartilhado com marido e dois filhos adultos. Ocupamos os espaços de um lar que foi pensado para momentos especiais, agradáveis, mas nunca para todos os momentos de 365 dias multiplicados pelos interesses e razões de quatro pessoas independentes.

Os sentimentos são assim dicotômicos, antagônicos e, apesar de toda carga de intolerância sobre as palavras escritas, há também uma dose cavalar e consciente de gratidão, porque o pulso ainda pulsa, porque a cabeça ainda gira, porque entre nós, reina um privilégio que sabemos que foi negado a tantos outros.

Essa luta de realidades verdadeiras e limitantes provoca um cansaço extremo, que beira a síncope do caos. A minha sensação é estar vivendo em uma maratona infinita, com a linha de chegada distante (quase utopia) e no percurso tem obstáculos e riscos permanentes.

A angústia é certa. Os sentidos estão todos sôfregos. Pelas telas vimos faltar ar e consciência, enquanto sobra medo e inconsequência…

A vacina seria para os maratonistas mais otimistas um aceno da bandeira. Mas, não é ainda acessível para todos e no ritmo que seguimos, muitos não terão a chance de avistá-la. Sinto raiva de quem desdenha da vida dessa forma, mais ainda de quem dificulta a cura e se entorpece com a morte dos outros.

Próximo a mim nunca faltam máscara e álcool em gel, não abro mão de cuidados que são antes de tudo, um gesto de respeito e carinho com a humanidade toda.

Guardei a esperança e o desespero na mesma gaveta. Organizo todos os dias, à medida que faço uso de suas propriedades, para que não se misturem, para que se preservem enquanto durarem os estoques. Torço para que o desespero acabe primeiro e reste ainda esperanças…

Na manhã de hoje, o pensamento que me segurou na cama foi de que eu sei quem eu era antes da pandemia chegar, mas não sei, nem tenho ideia, de quem eu serei no dia que anunciarem que ela se foi.

Dany Cais – Bela Urbana, fonoaudióloga por formação, comunicóloga por vocação e gentóloga por paixão. Colecionadora de histórias, experimenta a vida cultivando hábitos simples, flores e amigos
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ANO 2021…

O mundo uma sede de uma pandemia…

A população uma sede de melhoria diante de tamanha negação!

Sacolinha passando

Dízimo atribuído

Ventana faltando

Escavadeiras assumindo

Rupturas de lives

Palavras rasgadas

Telas surtadas

Mentes lavadas

Sprays borrifados

Pandemia negada.

Desapegando do excesso de formigamento e,

Tentando absorver um novo dialeto para tentar sobreviver!

Joana D’arc de Paula – Bela Urbana, educadora infantil aposentada depois de 42 anos seguidos em uma mesma escola, não consegue aposenta-se da do calor e a da textura do observar a natureza arredor. Neste vai e vem de melodias entre pautas e simetrias, seu único interesse é tocar com seus toques grafitados pela emoção.
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A pandemia tem nome: é saudade

Tenho revisitado muitas músicas desde que a pandemia começou. Na verdade, corri para as músicas em uma sincera tentativa de me reconectar com uma parte minha que não seja terra arrasada, quer pelo número de mortos que nos bate às portas, todos os dias, com suas tristes sinas, quer pela incompetência de quem nos governa. Entre a tristeza profunda e a raiva pesarosa, tento modular a vida com sons de vozes que, se não são minhas, pelo menos dizem de mim em meio à pandemia.

Conheci a música “Triste, Louca ou Má” em uma apresentação escolar, meses antes da pandemia, quando uma aluna corajosa decidiu mostrar a canção à capela durante um sarau. Parece que me refiro a outro mundo quando penso que os alunos se reuniam em aglomerações ruidosas e riam e se tocavam e se emocionavam e brigavam. Hoje temos essa adaptação forçada a uma vida escolar online e bem sabemos que essa “tal vida” não atinge a todos, sobretudo os estudantes de escola pública, pois milhares deles ficam à margem dos aplicativos por não terem nem celulares modernos e, muito menos, internet à disposição.

Vejo o abismo da desigualdade escolar crescendo enquanto me sinto uma farsa como profissional da educação, tentando chegar a um lugar que não sei onde. E quero deixar muito claro que, mesmo à beira desse abismo que se descortina, não concordo com nenhuma retomada escolar enquanto professores não estiverem vacinados. Estamos a um ponto da pandemia em que alunos também precisavam ser, já que não existe grupo de risco e, sim, país de risco. Tenho trabalhado presencialmente e posso dizer, sem sombra de dúvida, que sinto medo. Estou em uma idade “morrível viável”, como dizia uma personagem em um dos mais belos livros que li: “O Deus das Pequenas Coisas”. Infelizmente, a idade morrível viável agora se ampliou assustadoramente e, diante da morte, não há subterfúgios como “as escolas precisam abrir para que os alunos possam ter uma parte da vida deles de volta”. Não há “vida de volta” porque não há normalidade nas escolas: só máscaras que escondem o rosto e olhos que ainda não entendem no que a vida se transformou. Somos todos seres mais ou menos tristes agora.

Outra música na qual penso bastante é O Ronco da Cuíca, de João Bosco. A letra diz: “A raiva dá pra parar, pra interromper / A fome não dá pra interromper / A raiva e a fome é coisa dos home”. E é realmente “coisa dos home” que poderiam ajudar mais, desde que não legislassem por causa própria. Ao mesmo tempo, vejo tanta coisa sendo feita por homens e mulheres anônimos, que decidem ajudar o próximo seguindo a máxima de Cristo de dividir os pães. A caixa do supermercado me surpreende. Depois que eu reclamo do preço final da compra me referindo a como as famílias grandes sobrevivem, a moça do caixa me diz: “às vezes, deixo passar os produtos para que aquela família leve o que precisa”. Deixar passar significa que a moça do caixa paga a diferença do próprio bolso no final do mês. Foi o jeito que ela encontrou de ajudar e meus olhos já tão magoados se enchem de esperança por essa solidariedade possível.

Essa pandemia tem me feito um mal tremendo, porém tem me ensinado lições importantes sobre amar: sinto falta do calor dos abraços. Sinto falta da risada dos meus alunos. Hoje digo que amo com muito mais facilidade, porque realmente amo e porque tenho pressa: não sei por quanto tempo esse amor será possível. E por não saber, esse tempo me é mais caro. Quero tentar me tornar um ser humano melhor, a despeito das inúmeras raivas que fervilham em mim. Quero acreditar que posso voltar a ser a professora que um dia fui. Todo dia, neste país e nesta pandemia, vivemos um eterno recomeço. Preciso crer no que diz Ivan Lins: “vai valer a pena ter sobrevivido”.

Natalia kuhl – Bela Urbana. professora, leitora entusiasta de diversos tipos de escrita, amante de músicas – nem sempre clássicas. Falante e com memória seletiva. Raivosa diante da injustiça e amiga de coração aberto. Escrevo muito para mim mesma e canto no chuveiro.