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Conselhos da Madame Zoraide – 26 – Ser… pra quem?

Olá Consulentes!

Belas Urbanas mandou muito bem com essa série “Ser… pra quem?”. Vamos falar sobre esse SER.

Muitos consulentes já vieram me perguntar se eu me importo com a opinião dos outros? Se faço algo para agradar os outros?

Veja bem Consulente, eu me importo e também não me importo, tudo depende… da razão e da ocasião. Todas pessoas se importam com quem e o que é importante para si mesmo. Então, a resposta para essa pergunta é: depende.

Quanto a agradar os outros, eu gosto de mimar e agradar sim, mas eu faço isso por mim primeiramente e não para ser aceita pelo outro. Não para SER algo que não sou. Faço porque tenho prazer em agradar. Fico feliz quando deixo alguém feliz, é algo até egoísta.

Seja você, como você é, como você se sente bem. SER para agradar o outro é se maquiar de outro ser, e é tão sem sentido como um picolé de pimenta.

Alias, já experimentou um? Sei que não…. Não existe.

Espero que SEJA VOCÊ e exista plenamente, com suas amarguras e doçuras. Só seja, que o universo conspira a favor do que é puro e verdadeiro.

Até a próxima!

Madame Zoraide – Bela Urbana, nascida no início da década de 80, vinda de Vênus. Começou  atendendo pelo telefone, atingiu o sucesso absoluto, mas foi reprimida por forças maiores, tempos depois começou a fazer mapas astrais e estudar signos e numerologias, sempre soube tudo do presente, do passado, do futuro e dos cantos de qualquer lugar. É irônica, é sabida e é loira. Seu slogan é: ” Madame Zoraide sabe tudo”. Atende pela sua página no facebook @madamezoraide. Se é um personagem? Só a criadora sabe 
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SER OU PARECER

Para alguns sou só de câncer
para outros fui noutra vida
para alguns sou só designer
para outros casca de ferida

Para alguns sou poeta
para outras só musicista
para alguns talvez atleta
para outros, porco comunista

Ninguém se arrisca ir além
da timeline determinista?
Ver quem realmente sou
onde realmente estou
Além do post, da foto,
Há alguém. Sim há.  

Crido Santos – Belo urbano, designer e professor. Acredita que o saber e o sorriso são como um mel mágico que se multiplica ao se dividir, que adoça os sentidos e a vida. Adora a liberdade, a amizade, a gentileza, as viagens, os sabores, a música e o novo. Autor do blog Os Piores Poemas do Mundo e co-autor do livro O Corrosivo Coletivo.

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Quando o outro atrapalha o eu

Me parei pensando na atitude corajosa da ginasta norte-americana Simone Biles, que chegou às Olimpíadas de Tokio como a maior promessa do esporte e desistiu de competir em várias provas em prol da sua saúde mental.

Guardadas as devidas proporções, creio que todas nós, Belas Urbanas, em algum momento sucumbimos às expectativas alheias e precisamos dar um grito de independência. Grito este, que por muitos ainda pode ser considerado insanidade ou sinônimo de desistência, infelizmente.

Meus pensamentos foram voando, voando… E viraram as palavras que se seguem. Bora refletir?

“E ela tentou ser quem não era, falar como não falava, rir baixo, esconder emoções. Tudo para agradar ao outro… A um outro que nunca se contenta, nunca se conforma e nunca para de cobrar.

A cada dia era uma cobrança nova, um modelo inatingível, uma personalidade distinta. E ela, para ser aceita, tirava uma camada e se travestia de outra.

Chegou um momento que se olhou no espelho e não se reconheceu mais. Era tanta maquiagem no rosto, cabelo , sorrisos ensaiados e personagens adaptadas, que nem o brilho dos olhos daquela menina um dia inocente ela conseguiu reconhecer.

Tudo em nome de uma falsa aceitação, de uma cobrança social severa

“Menina, fecha as pernas. Menina, fala baixo. Menina, não fala palavrão. Menina, tenha postura. Menina, pense no futuro e em constituir uma família. Menina, desce daí. Menina, o cabelo tem que ser comprido. Menina, se arruma para sair. Menina, assim você vai ficar para titia. Menina, assim ninguém te quer.”

Tantas ordens e imposições muitas vezes quase nada veladas, que ela foi enlouquecendo e se perdendo de si e realmente acreditando nos quesitos necessários para ser quista pelo tal alguém.

A menina cresceu. Se perdeu. Achou forças e tentou se reencontrar. Entendeu que nunca estará à altura da expectativa do outro. E muito menos da sua felicidade, se não souber quem é e o que realmente quer. Seja ela sentando com as pernas abertas, falando alto, xingando quando sentir que precisa, priorizando o trabalho, subindo em árvore, sem namorar ou casar. Estando sozinha sem estar solitária.

Ergueu o dedo do meio para a opinião alheia, mas com toda a feminilidade possível e as unhas feitas. Foi tentar viver a vida, agora sendo a sua melhor versão. E quem quiser que a aceite, siga e a ame. Sem padrões ou razões preestabelecidas.”

Marina Prado – Bela Urbana, jornalista por formação, inquieta por natureza. 40 anos de risada e drama, como boa gemiana. Sobre ela só uma certeza: ou frio ou quente. Nunca morno!
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Meu Eu

Muitas vezes sou incompreendida, tenho fama de dar vida ao submundo desprendido desafiando a mim mesma.

A verdade é que me apetece tentar em simples pedaço de papel realizar em versos o sonho de ser poetisa e trovadora.

A verdade é que não sou hipócrita, muito menos irônica ou falsa.

Se falo, logo sou interrompida com palavras de reprovação e descaso, mas, ao digitar neste minúsculo teclado sinto-me livre desta amarra cruel, escrevo o que quero e o que penso, meus pensamentos reprimidos e abandonados.

Agir contrário é ser irracional!

Cristina Bonetti – Bela urbana. Piracaiense, amante da literatura e de música clássica desde a infância. Filha e neta de escultores. Fã de Manoel Bandeira, Fernando Pessoa, Paulo Coelho e Pablo Neruda. Poetisa, artista plástica e publicitária.

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Memórias de uma professora

Lendo vários posts do Dia dos Pais fiquei pensando…

Quantas recordações de quando eu era professora na educação infantil… isso no mínimo há 12 anos atrás.

Eram rodas de conversas, brincadeiras de faz de conta, onde as crianças relatavam o que faziam com seus pais! Sempre um momento muito especial e delicado e eu, claro, amava cada história ali compartilhada e respeitava aquele universo.

Entre as diversas histórias, tem uma muito especial e que nos instiga a pensar sobre a paternidade.

Eu tinha uma aluna de 03 anos, muito falante que contava tudo que fazia com seu pai, brincadeiras de casinha e boneca, passeios de bike, contação de histórias, etc.

Me lembro de uma manhã quando ela chegou na escola toda enfeitada de laços de fitas rosas e me falou: – Olha como estou linda Deni, hoje foi o meu o meu pai que me arrumou e eu arrumei ele, coloquei a gravata e o tic-tac no cabelo dele, ele está lindo também, não é Deni?

Nesse momento, levantei os olhos para ver o pai e me deparei com a cena relatada. O pai todo seguro com o tic-tac na cabeça e agindo com naturalidade, falou: – Oi Deni, tudo bem?

Claro, que embora a cena fosse muito divertida, naquele momento entrei na brincadeira, respondi ao pai e em seguida, olhei para a filha e falei: – Realmente, seu pai está muito bonito.

Eu e o pai nos olhamos, demos uma risada com os olhos e tudo seguiu normalmente.

Esse PAI era incrível! Participava, cuidava e brincava. Assumia suas obrigações e necessidades dentro de um sistema familiar, com funções estabelecidas e acordadas com sua esposa.

Hoje, observo o comportamento de muitos pais em relação aos filhos e percebo cada vez que assumem a paternidade responsável e eu, como professora de crianças (que fui) fico muito entusiasmada e esperançosa na construção de uma sociedade melhor. Afinal, com a paternidade responsiva toda a sociedade ganha, mas principalmente a criança, uma vez que impacta positivamente no seu desenvolvimento, deixando-a segura e feliz para explorar o mundo.

Deixo aqui o meu desejo, para que todos os pais vivam a experiência da paternidade de forma plena, não economize no afeto… abrace, beije, esteja presente, dê broncas, converse, demonstre o quanto você ama e quanto é parceiro de seu filho(a)!

Denilze Riciardelli – Bela Urbana, mãe da Lila e Duda, duas pets… ontem professora da infância, hoje empreendedora no ideal de uma sociedade melhor para todos, especialmente para as crianças.

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Aprendi com ele

Lembro do meu pai me fazendo lentamente um cafuné, recitava algumas poesias e fazia caretas imitando monstros… na vitrola, um disco de Eric Clapton, Neil Diamond e o favorito Harry  Chapin. Era especial aquele abraço, abraço de pai, de conforto, de proteção, de segurança. Isso tudo foi na minha infância. Quando ele me abraça é tão significativo pra mim que não tem uma só vez que eu não chore… sempre busquei esse abraço… esse afago.

Na minha adolescência, virei rebelde sem causa, e esse abraço, sobre minha e total responsabilidade se perdeu, e as palavras dele começaram a ser duras, rígidas e eu? Sem voz. Sempre tivemos uma relação de fortes sentimentos sem quase nenhuma intimidade. Meu pai, viajava muito no seu tempo de trabalho e até hoje, uma porta se fechando me dá arrepios. A gente não tem ideia das cenas que ficam na memória de uma criança.

Sempre fomos antagônicos, temos uma intensa e legítima dificuldade de nos comunicar, linguagens diferentes, sensações parecidas… sentimento de impotência. Mas estamos anos luz muito mais serenos e a nossa comunicação finalmente flui.

Minha garganta se embarga, os olhos se embaçam…é incrível como ele não imagina o amor profundo que sinto por ele. Tive uma educação rígida, cheio de horários, castigos e algumas certas regras. Hoje como mãe que sou, sei e sinto o quanto é árduo o nosso papel de educador. Meu pai fez o seu melhor. E em várias situações eu cheguei a ter muita raiva e tristeza, mas hoje o tempo passou, apaziguamos nossas almas, nosso juízo de valores, e posso dizer que esse grande homem, faz toda diferença em mim.

O que sou hoje devo grande parte a ele. A minha persistência, minha determinação, meus valores, minha lealdade perante aos outros e a vida, vem dele, desse homem que me pergunta de onde tenho tanta fé. Se ele soubesse que ele é um dos homens de mais fé que eu conheci. Sempre acreditando no quase impossível e realizando. Ele não se dá conta. Aprendi com ele sempre, sem titubiar, seguir em frente!

Obrigada meu pai,  só eu sei que você jamais desistiu de mim, mesmo você acreditando que sim, obrigada por todo amor que temos um pelo outro com todo respeito de todos esse anos que conseguimos conquistar: nosso melhor papel, pai e filha.

Macarena Lobos –  Bela Urbana, formada em comunicação social, fotógrafa há mais de 25 anos, já clicou muitas personalidades, trabalhos publicitários e muitas coberturas jornalísticas. Trabalha com marketing digital e gerencia o coworking Redes. De natureza apaixonada e vibrante, se arrisca e segue em frente. Uma grande paixão é sua filha.
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Numa noite da primavera de 2005

“Anunciaram que você morreu,

Meus olhos, meus ouvidos testemunham:

A alma profunda, não.

Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá

(Pela força persuasiva do tempo).

Virá súbito um dia,

Inadvertida para os demais…

Mas agora não sinto a sua falta.

(É sempre assim quando o ausente

Partiu sem se despedir:

Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.

Direi: Faz tempo que ele não escreve.

Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.

Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?

A vida é uma só. A sua continua

Na vida que você viveu.

Por isso não sinto agora a sua falta.”

(Trechos do poema -A Mario de Andrade Ausente, Manuel Bandeira).

Letícia, minha menina querida!

          Tarde de primavera que ameaça chover,

Ao olhar para o céu vejo nuvens escuras carregadas querendo despencar.

Sabe, Lê, o céu desde pequena me inquieta…

Acreditava que com uma escada gigante, como aquela de bombeiros, alcançaria o seu topo, tocaria nas nuvens e finalmente descobriria quem lá habitava:

Seriam os anjos? São Pedro? As pessoas que quando morrem vão para o céu? Só os bons conseguem uma vaguinha? Se tivermos muito pecado não vamos para lá?

Afinal, o que acontece neste lugar?

Sabia que “… o céu ficava em cima do chão. O céu que continua. Em cima do céu há mais céu. E depois do céu do céu há mais céu. E depois de depois do céu do céu nenhum planeta, nenhum cometa, nenhum meteorito. Só o céu e céu e céu sem fim nem infinito”.(Arnaldo Antunes).

Nessa tarde que sento ao computador para escrever a você carregada de céu, retornam a minha memória fragmentos de um outro dia que percebi que como a mim, o céu, também te provocava um desassossego.

 Você, Lelê, sentada no colo de sua avó bem próxima à janela olhando para o alto. Olha para sua vó Luiza e pergunta:

“O vô Agapito está no céu?” No seu rostinho paira muitas dúvidas, algo estranho povoa seus pensamentos,

 Silêncio! “Ah! Minha filha, o seu avô está no céu!”

 Letícia pára, olha se perguntando, estranhando um pouco quem sabe,

Afinal, o céu sempre parece tão distante de nós e seu avô é uma figura tão presente no seu dia-a-dia:

nas diversas histórias que contamos a respeito de seus gostos e manias quando nos reunimos;

nas situações diárias que faz com que muitas vezes entre nós imaginemos como ele agiria, o que diria;

nas fotografias das nossas viagens para o sítio na Bahia que emitem sinais fortes, poderosos de sua presença;

nas coisas velhas, de um outro tempo que guardam o seu jeitinho;

nas perguntas que muitas vezes lançamos querendo ainda suas respostas;

nas idas ao cemitério para colorir seu jazigo e ali você corre de um lado para outro, menina travessa, trazendo água para encher os vasos com flores de cores fortes e vibrantes, suas preferidas!

Saiba que seu avô adorava comprar tecidos e vasos de flores alaranjados, roxos, lilases, amarelados, compondo uma “dinâmica botânica de cores!” (Zélia Duncan). Agora quem sabe, me dou conta das suas preferências nas minhas, nas cores que colorem minhas roupas, meus colares!

Nas lembranças das tardes de sábado que saíamos eu, seu pai, sua avó e seu avô, andando pelas ruas do centro de São Paulo, da Consolação a Sete de Abril, de lá até a 24 de Maio, atravessando o Vale do Anhangabaú, de mãos dadas, caminhando e ouvindo as lembranças do tempo quando chegou nessa cidade e como se encantou pelo letreiro iluminado do Hotel Jaraguá que trazia as últimas notícias. E hoje seu pai, Alexandre, caminha com você por essas mesmas ruas, contando às histórias que ouviu e quem sabe, inventando tantas outras…

Então, algo parece não combinar…Tão perto e ao mesmo tão longe?!Tão longe e ao mesmo tempo tão perto!? É possível?

Depois de um tempo, Lê responde: “O céu está tão longe, mas o meu avô está bem perto, né vó!?”

Sorrisos emocionados inundam a tarde. E de fato, como diz o poeta a sua vida, a do vô Agapito, continua na nossa vida. Por isso, quem sabe nos pareça tão perto! Acho que a sua sensação é similar a do poeta, seu avô apenas ausentou-se! Mesmo não o conhecendo você tem uma familiaridade com ele que não permite tamanha distância.

E a partir dessa lembrança que resolvi contar para você um pouco mais sobre o vô Agapito,

Nome esquisito, ao longo dos anos escutei as mais diferentes versões sobre seu nome, lembro-me com nitidez dele soletrando seu nome A-GA-PI-TO, muitas vezes ao telefone,

Para as pessoas que não entendiam quando ouviam o que ele dizia, soava estrangeiro.        

E de fato é estrangeiro, seu nome era uma homenagem a São Agapito, santo italiano que sua bisavó retirou de um calendário.

E quem sabe, todo migrante quando chega a essa cidade sente-se um pouco estrangeiro.

Imigrante nordestino, semi-analfabeto, saído de um vilarejo chamado São Felipe, aproximadamente 250 quilômetros de Salvador, que veio para São Paulo há 45 anos pela busca e pelo sonho de alcançar condições melhores de vida. E que nas suas práticas cotidianas, criou múltiplas táticas de sobrevivência, especialmente na arte de obedecer, lutar e driblar em meio a situações mais adversas para garantir a mim e aos seus tios (Aguinaldo, Antônio Carlos, Arinaldo) e ao seu pai, Alexandre, possibilidade de fazer uma história diferente: para seu avô uma história diferente começaria por garantir o acesso e permanência dos filhos na escola.

Era seu avô, que toda manhã levava-nos, eu e um dos seus tios até o ponto de ônibus, já morávamos no Centro e íamos até a Freguesia do Ó, estudar num colégio particular, de freiras.

Ainda estava escuro quando saíamos de casa, de mãos dadas, a passos largos e quando chegava no ponto seu avô, sempre tirava do seu bolso um punhado de balas.

Balas: essa guloseima feita de açúcar ou essência de frutas, leite para adoçar nosso trajeto.

Esse homem de poucas letras e de poucas palavras, mas de muita sensibilidade adorava deixar bilhetinhos nas datas especiais, tais como, aniversário, Natal, junto com seus presentinhos … aonde escrevia pouco, mas não deixava de dizer que nos amava. Isso me lembra um poema que gosto muito, da Adélia Prado, que diz assim: “…Minha mãe acha estudo/ A coisa mais fina do mundo./Não é/ A coisa mais fina do mundo é o sentimento./Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:/ “Coitado, até essa hora no serviço pesado.”/Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente./Nem falou em amor. Essa palavra de luxo.”

Sua avó guarda como relíquia alguns postais enviados por seu avô de quando ainda namoravam, coloridos e assim escritos: “… Ofereço A minha queridinha Luiza França com amor. Hagapito Santos”.

Sabe Lê, nesses cartões seu avô escreve seu nome de duas maneiras, algumas vezes com H outras sem; a mesma confusão, que muitas pessoas faziam quando escreviam seu nome. (Risos emocionados de saudades!).

Seu avô tinha dificuldades com o mundo das palavras, ou melhor, quem sabe “corrompesse o silêncio das palavras, não gostava de palavra acostumada” como bem diz, Manuel de Barros. Porém, tinha muita facilidade com o mundo dos números. Mais ou menos na sua idade, era ele que me ajudava a fazer as listas intermináveis de problemas de matemática. Aí, não havia dificuldade de compreensão e sim, muitas facilidades! Nunca precisou de calculadoras, no supermercado fazia de “cabeça” as contas e me espantava ao ver que o valor calculado estava muito próximo do que foi gasto: seu avô era o nosso “homem que calculava.”

Das balas aos números, dos números as letras, das letras aos livros…

Uma grande paixão de seu avô que também se tornou minha: nunca deixou de comprar as enciclopédias (Conhecer, Trópico, Os Bichos…), dicionários, gramáticas, as revistas, os jornais e quando nasci comprou a Coleção de Monteiro Lobato: sem dúvida era a forma de trazer para dentro de casa a cultura letrada que ele tanto admirava, mas não teve a oportunidade de usufruir e que sempre ocuparam lugar de destaque na estante e ele dizia: “Não é só para ver, é para tocar, pesquisar!” Usufruíamos do seu desejo, mexíamos por ele…

Quando seu avô morreu, descobrimos um fato revelador remexendo nos seus arquivos pessoais, organizados nas noites de domingo quando eu ficava por perto para ganhar papéis para brincar e para ajudá-lo a rasgar o que não servia.

Nos deparamos com uma preciosidade: uma pequena hemeroteca, sabe o que é isso?

É a sessão da biblioteca onde estão jornais e revistas. Seu avô organizou a sua guardando artigos de jornais e revistas que narravam os estudos sobre a diabete (vovô era diabético a mais de vinte anos) sonhava que os avanços da medicina propiciassem a tão esperada cura e o abandono da insulina. Montou sua pequena hemeroteca sem nunca ter entrado em uma biblioteca!

Então, minha menina, posso dizer que dele herdei a paixão pelos livros, pelas revistas e a mania de guardar artigos e suplementos de jornais que sempre acredito que um dia vou usar e não é que às vezes acabo usando mesmo!?! E, agora escrevendo para você dou-me conta o que fez com que anos mais tarde eu optasse por ser bolsista na Unicamp do Arquivo Edgard Leuroth, no IFCH. Trabalhava com recortes de jornais da década de 20 sobre a origem da Coluna Prestes e a vida de Miguel Costa, já ouviu falar sobre isso?

É uma parte muito importante da nossa história e qualquer hora conto um pouco para você.

Mas, nessa época uniam-se muitas vontades da sua tia: a primeira era a tentativa de me aproximar da História, afinal, era minha primeira opção no vestibular da Unicamp e outra para mexer, vasculhar, organizar documentos antigos, as marcas de meu pai em mim!

Lelê, num dia há vida. Vovô seguia um dia após o outro, sonhando apenas com a vida que se estendia a sua frente, com a chegada da tão desejada aposentadoria, depois de anos, muitos anos de árduo trabalho, fazendo muito serão para garantir a sobrevivência de sua família. Com a aposentadoria desejava retornar para sua terra, apesar da paixão pela cidade aonde criou seus filhos, sentia-se aqui, um pouco estrangeiro e sonhava retornar para o seu sítio, para cultivar a terra, reencontrar suas raízes, suas marcas. Porém, a vida nos aprontou uma surpresa, de repente aconteceu sua morte.

Mas, a vida tem nos ensinado que vovô ausentou-se e o que “a memória amou fica eterno”(Adélia Prado).

Direi: Faz tempo que não andamos de mãos dadas.

Irei ao centro da cidade: E na volta pararei em frente ao letreiro do Hotel Jaraguá.

Imaginarei: Está no sítio consertando a cerca e lá vem ele caminhando a passos largos, assoviando e anunciando sua chegada.

Um abraço apertado, com amor.

Tia Déia.

Andreia dos Santos de Jesus – Bela Urbana. Paulistana, pedagoga formada pela Faculdade de Educação da Unicamp. Uma mulher negra que escolheu a escola como morada. É nesse terreiro que honra meus ancestrais, travando batalhas e criando possibilidades poéticas de reexistir. È a orgulhosa Mãe de Marina, a menina que veio do mar, e que traz na sua pele a cor da mestiçagem brasileira.

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Big Brother dos Pais

Apresentação do programa

Este programa existe porque a Roberta Corsi fez 50 anos e estava planejando uma festa com vários amigos, família, comes e bebes e muita animação. Mas, não foi bem isso que aconteceu. Chegou a pandemia e nada disso era possível. A distância entre ela e seus pais, aumentou ainda mais, afinal, não se podia visitar ninguém. Ficou claro também, que, apesar de ter em sua vida muitas pessoas importantes, as que mais ela sentia falta, eram seus pais.

Foi aí que resolveu pegar o dinheiro reservado pra festa e colocou 6 câmeras na casa dos seus pais e aí… começa o BBP…

Apresentação do morador da casa do BBP – Sr. Roberto

Vou começar com a frase que ele, meu pai, não para de repetir… ”tenho 80 anos e não tomo nenhum remédio”.

Bom, vou contar pra vocês, como ele consegue este milagre.

Ele tinha uma panificadora no interior de São Paulo, trabalhava muito e depois que se aposentou, resolveu ser artesão e reformar cadeiras antigas de palhinha. Além disso, não para de fazer palavras-cruzadas todos os dias, incansavelmente!

Mas, apesar de ser bom, esse não é o segredo…

O segredo dele é a alegria… alegria por viver, alegria em gostar das coisas mais simples da vida (fica horas olhando um cachorro na rua, um bêbado cambaleando no fim do dia etc.).

Ele nunca está triste e está sempre de bom humor. Independente do que aconteça com ele, em instantes ele se esquece. Não guarda nada. Ele perdoa facilmente. Se você esta brava com ele, ele ri, fala outra coisa, muda de assunto… Está sempre tudo bem!

Momentos mais “fortes” captados pelas câmeras indiscretas.

– Todos os dias no café da manhã ele coloca uma xicrinha pra minha mãe. (54 anos de casados) e muitas vezes coloca florzinha que ele pegou na rua enquanto vai comprar o pão.

– Não importa o que aconteça, ele dorme todos os dias depois do almoço. É parte do seu “remédio”.

–  Quando passa o lixeiro, lá vai ele com a garrafinha de café bater um papo e fazer uma gentileza… (câmera da frente da casa).

– A cidade dele estava em lockdown e eu o via saindo…. quando eu ligava pra ele, já ia dizendo…. vou ali conversar com os homens que estão barrando as pessoas de entrar na cidade….

– Ele segurando um saco plástico bem grande, com a netinha em uma das pontas, fazendo um gira-gira e ela morrendo de rir.

– Meu pai, dançando na sala enquanto ouvia o programa de domingo na rádio Educadora de Batatais.

 Tem muito mais, inclusive cenas proibidas, mas aí… só marcando comigo um cafezinho da tarde… eu conto tudinho!

Propaganda do BBP

Faça esse investimento, vale a pena. Instale câmeras na casa dos seus pais e fique babando a qualquer hora do dia. Não tem retorno melhor de investimento do que este…

Obs.: Aff, falei tanto disso que tchau… vou espiar um pouquinho…

Roberta Corsi – Bela Urbana, coordenadora do Movimento Gentileza Sim que tem como objetivo “unir pessoas que acreditam na gentileza” e incansavelmente positiva, para conhecer o movimento acesse https://www.facebook.com/movimentogentilezasim 
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O TEMPO E O PAI

Há duas coisas que me intrigam muito: o tempo e as relações pais/filhos.

O tempo me intriga porque é uma grandeza que eu custo a compreender; Pai é uma grandeza que custei tomar para mim.

Cresci com uma imagem distorcida de meu Pai; distorcida pela minha incompreensão infantil, pelas condições e circunstâncias do “tempo vivido” e sabe-se lá por que mais.

Por anos eu neguei a importância dele na minha vida, fiz questão de ignorar sua história, seus ensinamentos, suas dores.

Isso teve um efeito devastador nas minhas relações: tornaram-se superficiais e desprovidas de afeto.

Mal sabia eu que aquela negação da figura de meu Pai era a causa do vazio que existia em mim.

Mas com o tempo – ah, o tempo, o Sr. da razão – e muita terapia, compreendi que ele está “aqui”, colado nas minhas células, pujante no meu DNA.

Eu sou Ele, misturadinho com minha mãe.

Não é possível negar o que se é.

Reconhecer sua importância e relevância me fez enxergar como Ele é incrível; pude ver que sua trajetória de vida merece aplausos de pé; sua nota na escola da vida é A Com Louvor.

E me ensinou tanto!

Sim, demorei para chegar a essa conclusão, mas antes tarde do que nunca.

Ouso pensar que “tarde”, “nunca”, “ontem”, “hoje”, “amanhã”, é tudo a mesma coisa: se acontece, está valendo.

O tempo é gerúndio. E Pai é!

Maria Claudionora Amâncio Vieira –  Belas Urbana, formada em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e é especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade de Franca. Amante incondicional da Natureza Selvagem, grande apreciadora dos prazeres da vida, leitora contumaz e cinéfila por excelência.
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Eu já sabia

Uma vez ele me levou para o primeiro dia de aula na faculdade
E lutou para dar as costas
Eu já sabia

Uma vez ele me levou para o aeroporto
E testemunhou eu desaparecer na multidão
Eu já sabia

Uma vez ele me levou para a primeira festa
E fingiu que ia pra casa descansar
Mas não conseguiu pensar em mais nada
Eu já sabia

Uma vez eu passei no vestibular
E ele vibrou mais do que eu
Eu já sabia

Uma vez, ou melhor, muitas, eu o chamei na escola
E ele deixou de ir no trabalho por isso
Eu já sabia

Tantas foram as noites
Que para ele foram dias
Por conta de uma tosse boba minha
E eu com certeza já sabia

Uma vez ele viu meus primeiros passos
Eu não sabia
Mas já sentia
E ele tinha certeza

De que seríamos nós dois contra o mundo
Para sempre
Que ele faria eu ser
Quem quer que fosse a mulher que eu me tornaria
E hoje eu sou amor
Carinho
Paciência
Amizade
Doçura
(E graças a ele, claro, uma exímia dançarina)
Porque é isso que ele me ensinou
Ensinou, não – mostrou
Todos os dias

E esse tempo todo eu já sabia
Eu sempre soube
Que ele seria a razão
Pela qual não teria medo
Pela qual eu cresceria
Pela qual eu nunca me sentiria sozinha
Pela qual eu realmente nunca estaria sozinha

Feliz dia dos pais
Para aquele que merece
Fogos
Festas
Parabenizações
Mérito
Agradecimentos
O mundo
Todos os dias

Giulia Giacomello Pompilio – Bela Urbana, estudante de engenharia mecânica da UNICAMP, participa de grupos ativistas e feministas da faculdade, como o Engenheiras que Resistem. Fluente em 4 idiomas. Gosta de escrever poemas, contos e textos curtos, jogar tênis, aprender novos instrumentos e dançar sapateado. Foi premiada em olimpíadas e concursos nacionais e internacionais de matemática, programação, astronomia e física, além de ter um prêmio em uma simulação oficial da ONU