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ENQUANTO LEIO, A CASA É NOSSA

Livros… imagine que você está em frente a um lugar desconhecido, a porta se abre lentamente e você vai entrando, com alguma cerimônia, apreciando as primeiras pistas sobre o que virá depois do próximo passo. Esta é a minha sensação ao iniciar uma leitura. É como se eu fosse recebida pelo autor em sua casa, no seu universo e, por um tempo é também a minha casa, o meu pouso…

Assim, a leitura é para mim um lazer e um direito. É por ela que eu me valho das melhores aventuras e viagens internas e distantes e profundas.

Eu poderia falar de muitos livros e de várias guinadas na vida, no pensamento, no meu próprio despertar… mas, tendo que escolher um, vou ser fiel à minha profunda paixão, que fez mudar a maneira de entender a minha humanidade.

Minha professora de Língua Portuguesa do colegial (atual ensino médio) costumava começar suas aulas com um poema ou trecho de livro escrito a giz no canto da lousa. Como era bom saber que a cada aula, haveria também um presente que eu anotava, atentamente, num caderno de poesias, músicas e pensamentos.

Foi desse modo que, pela primeira vez, eu li algo de Clarice Lispector:

“É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo a isto de estado agudo de felicidade. Estou terrivelmente lúcida e parece que alcanço um plano mais alto de humanidade. Ou da desumanidade – o it.”

Eu fui tocada e passei a perseguir a autora. Devorava seus livros, ficava atenta às entrevistas dela nos jornais, me encantava com tudo, mas, esse trecho continuava solto, eu não o encontrava nas leituras e era tão forte em mim – Até hoje, eu o digo, sílaba por sílaba, sem precisar ler.

Um dia, numa visita inusitada à biblioteca da casa da amiga de uma amiga, peguei na estante um livro aleatório. Era de Clarice e eu comecei a ler ali mesmo. Pedi emprestado com a maior cara de pau, pois era a primeira vez que nos víamos; ela, generosamente, concordou que eu levasse o livro, desde que o devolvesse, óbvio.

Me deliciei com cada palavra de Água Viva. Até que na página 55, no meio do parágrafo, encontro aquele trecho que ecoava em mim havia quase três anos. Irretocável. Ainda me emociono e me recordo daquela madrugada.

Lia e relia. Fazia ainda mais sentido e melhor, fazia de mim muito mais próxima de Clarice, porque este livro é uma mistura dela própria com uma história que traz toda dualidade humana, em circulação, pela arte, pela palavra, pela intensidade.

Para mim, o livro mais Clarice de todos é Água Viva.

Não muito tempo depois, eu cheguei à página 97, que é o ponto final dessa obra. Mas, ao amanhecer, fiquei profundamente triste. Eu precisava devolver o livro e não sabia como me separar dele. Tanto tempo para encontrá-lo e tão pouco tempo juntos.

Eu tinha necessidade de reler e grifar e interagir com aquela história para me sentir viva, inteira e lúcida, como a protagonista.

Resolvi esse impasse passional com uma ligação. Encomendei um exemplar para mim e entreguei aquele à dona, sem remorsos.

Reli Água Viva muitas vezes. Há muitos outros trechos lindos e significativos que transformam o olhar e ensinam sobre a beleza submersa em cada um de nós.

“Aquilo que ainda vai ser depois – é agora. Agora é o domínio de agora. E enquanto dura a imprevisão eu nasço.”

Quando Clarice Lispector abre a porta, eu me sinto em casa, de verdade.

(Leiam: Água Viva – Clarice Lispector – minha edição é 9ª. da Editora Nova Fronteira).

Dany Cais – Bela Urbana, fonoaudióloga por formação, comunicóloga por vocação e gentóloga por paixão. Colecionadora de histórias, experimenta a vida cultivando hábitos simples, flores e amigos. Iinstagram @daniela.cais

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Uma caixa de livros

Eu tinha por volta de 16 anos quando um vendedor me abordou na rua.

Ele me ofereceu uma caixa de livros por uma quantia que eu podia pagar, com um dinheiro
que tinha de alguns bicos que eu fazia. Eu nem sabia que tipo de livros tinha na caixa, mas
eram livros, me senti comprando um tesouro.

Eu era compulsiva por escrever, tinha inúmeros caderninhos com meus escritos e ninguém
sabia. Eram poemas, contos, diários…E a partir daquele momento, aquela caixa mágica.

Quando cheguei no meu quarto, meu esconderijo, e abri a caixa, o primeiro que eu vi: “Morro
dos ventos uivantes”, de Emily Brontë. Um romance proibido entre Heathcliff e Catherine.
Rústico, selvagem, sedutor, rebelde, do início ao fim. Um livro que recebeu várias críticas na
época.

Todo final de tarde eu me recolhia para viajar no livro, e era num lugar secreto, o morro
vermelho da cidade. Era um morro da cidade de Jaú, uma cidade montanhosa e ele era o ápice
do local. A leitura tinha que ser lá, longe de tudo e de todos, era o meu momento particular.

Um local meio proibido por se tratar de ser longe, mas eu ia com a minha bike e ninguém
sabia, nem notavam minha falta. Eu fugia daquela loucura e ia…

Chegava suada da pedalada intensa, sentava no chão e abria o livro. Que capa, meu Deus!

Uma história de amor gótico, cheia de fantasmas reais e imaginários, um romance inusitado,
indescritível…enigmático. Era o meu momento secreto com aquelas páginas…com os
personagens, cada um deles. Um cenário fantástico que a minha mente formava e sentia.

Que viagem! Aquele livro me salvava…

Lembro até hoje quando li o último capítulo e comecei a chorar, pedindo aos prantos para a
autora: “por favor, continua…continua…”

Naquele dia eu vi o mais lindo entardecer da minha vida…O sol se despediu com uma
mensagem…e nos meus anseios era para mim. “Sonhe”.

Passei a imaginar a vida mais cheia de cores…Esse é o poder de um livro.

Leia…Leia…Leia…

Siomara Carlson – Bela urbana. Arte Educadora e Assistente Social. Pós-graduada em Arteterapia e Políticas Públicas. Ama cachorros, poesia e chocolate. @poesia.de.si