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Cabelos livres

Nasci careca e assim fiquei por mais de dois anos, quase três. Minha mãe colocava um pinguinho de cola branca na lateral da minha cabeça pelada para grudar um lacinho e me firmar como menina. A cola saia na água quente do banho, mas a graça do método faz rir até hoje.

Quando criança, os cabelos pretos e crespos eram indomáveis, difíceis de lidar em tempos onde eram limitados os condicionadores e nem imaginávamos a existência de leave-in, tal qual a contemporaneidade nos trouxe.

Adolescer significou queda e mudanças drásticas no formato do cabelo, que tornaram-se cacheados, mas ainda assim davam trabalho aos olhos dos outros, pois no emprego era obrigatório fazer escova para deixá-los lisos ou prendê-los, ainda que fosse em uma loja com estilo alternativo de shopping center. As hipocrisias do mercado versus a realidade de trabalhadora.

Recusava-me a deixá-los lisos, de certo modo afetava o meu modo de ser e pensar. Parece que, nas poucas vezes em que fazia escova, eu perdia algo da minha essência. Queria que meus cabelos fossem como eram, extensões do meu pensamento cacheado, livre e em busca de vento. Passei, portanto, muito tempo com eles presos, acusados de serem fora do padrão de mercado. Onde eu queria originalidade, pregava-se a repressão.

Mas eu tinha um bom modelo de liberdade para seguir: minha mãe teve os primeiros cabelos brancos aos 16 anos e nunca o pintara, ao contrário do padrão feminino que se impôs por muito tempo às mulheres. Lindíssima, conquistou aceitação e os cabelos lisos foram sendo prateados ao longo da vida, com mais admiração do que recusas.

Aos dezenove anos, começaram os meus e decidi seguir o mesmo percurso. A cada fio branco que aparecia, incorporava-o aos meus fio escuros e fazia com que se sentissem parceiros na minha estética.

Vi nos rostos das pessoas muitos sustos, incômodos e também admiração. Tão nova, por que não pinta? Porque não quero. Nossa, quanto cabelo branco! E logo terei mais, é de família. Menina, assim você vai perder o marido! Se ele está comigo por causa dos cabelos, melhor perder mesmo. Onde você fez luzes? Nunca pintei meu cabelo. Que lindo, queria tanto ter coragem! Entendo, não deve ser fácil largar a tintura.

Nestes tempos do agora, deixei de ser um ponto fora da curva e hoje estou na moda. As pessoas ainda comentam, mas é muito mais elogio do que estranhamento. Agora, quem estranha sou eu ao ver tantas pessoas platinando o cabelo, mas é um estranhamento bom. Vejo tons de azul, vermelho, verde… meninas e meninos. Noutro dia, uma senhorinha com cabelos laranja e tatuagens. Que a gente possa ser e ter a cor que quiser.

Sigamos e vejamos para onde o vento nos leva. Para ser livre, é preciso coragem… até nas pontas dos cabelos.

Gaby Coppola – Bela Urbana. Professora de muitas idades, doutora e pesquisadora, apaixonada por gente, progressista, urbana e dorminhoca.

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