No Almanaque da Jovem Guarda lançado em 2006 pela Ediouro consta que o bairro da Tijuca foi o berço perfeito para Erasmo Esteves. Sua mãe, Maria Diva Esteves, declarava-se viúva, para que o filho não tivesse traumas, pelo fato de ser mãe solteira. De acordo com a biografia do cantor “Minha Fama de Mau”, seu pai não assumiu a gravidez de sua mãe na época. Maria Diva veio de Salvador para o Rio de Janeiro, de navio, junto com a avó e os tios antes do seu nascimento. Ele conheceria o pai, na Bahia, aos 23 anos de idade, quando já era famoso. Por esses motivos Erasmo se considerava “quase baiano”.
Aos 14 anos ele participava da Turma da Matoso, o que significava serenatas de rock’n roll nas madrugadas, ao lado de Jorge Ben, Sebastião (Tim) Maia e outros rebeldes. Havia muito preconceito contra a turma do rock da Zona Norte. Mesmo proxima ao centro da cidade, a Tijuca era vista pelos próprios cariocas como um subúrbio distante.
O incontornável Gigante Gentil, com seus 1,93m de altura, passou pela Jovem Guarda como um de seus principais compositores, além de ter sido um dos apresentadores do programa de TV, que levava o nome do movimento. Seguiu pelos anos 1970, 80, 90 e 2000 com uma carreira fonográfica sólida. Enquanto compositor e músico influenciou gerações de artistas, deixando-se atravessar por variados ritmos e estilos musicais. Caetano Veloso entusiasmado corrobora que o Tremendão nunca pareceu atraído por nada que não fosse do mundo do rock, e tanto o seu canto despojado, quanto a sua energia sexual fazem com que nenhum fã de rock no Brasil possa discordar do fato que Erasmo Carlos foi e sempre será um representante do autêntico rock’n roll.
Com o fim da Jovem Guarda, Erasmo se embrenhou pelo samba rock, pela black music e mergulhou ainda mais na música popular. Erasmo mesclava em seus álbuns solo suas raízes roqueiras com tendências da MPB de cada época.
Contaminado pelo movimento tropicalista e pela música negra americana, cravou uma sequência de sucessos na década de 1980. Com o álbum “Mulher” de 1981, o Tremendão quarentão chegou ao auge de sua carreira pós-jovem guarda. O Disco trouxe os hits: “Mulher”, “Ela é Minha Superstar” e “Pega na Mentira”. Nessas composições aparecia um Erasmo Carlos direto, sincero e bem-humorado, tratando de temas como feminismo, inflação, censura, Amazônia, drogas e outros assuntos tão candentes naquele período final da ditadura civil-militar.
O Tremendão continuou fazendo sucesso, garantiu o seu espaço na mídia, sem perder a sua fama de mau. Em 1982 gravou o disco “Amar pra viver, ou morrer de amor”. Apesar de as vendagens terem sido inferiores às do álbum anterior, o novo LP garantiu espaço nas paradas sucesso. Além da faixa que dá título ao álbum, a canção “Mesmo que seja eu” atraiu a atenção de Marina Lima, que em 1984 gravou a sua versão no LP “Fullgás”. O álbum foi um dos maiores sucessos da cantora, que explorava o pop-rock urbano. O disco de Marina emplacou a faixa-título, além da versão para “Mesmo que Seja Eu”, entre outras.
Além de Marina Lima, Ney Matogrosso, também regravou a música em seu disco ao vivo de 1998. Com suas versões corajosas, sinceras, e estimulantes Ney e Marina reivindicaram seus lugares, suas potências, suas identidades. A letra do Tremendão abraçou um público amplo e abrangente. Na sua versão Marina afirma, não sem ironia: “É…cada um de nós precisa de um homem pra chamar de seu! Mesmo que seja eu!” e faz a canção de Erasmo virar uma referência nacional. Lulu Santos disse que não haveria um pop rock brasileiro da década de 1980 se não fossem as músicas de Erasmo. Ainda completa que o Tremendão abriu as portas para ele e seus colegas de geração.
Com cabeça de homem e coração de menino, Erasmo Carlos conta em suas memórias que veio ao mundo para topar qualquer parada. Erasmo Carlos não só venceu os muitos desafios que o destino colocou no seu caminho, como se tornou um dos primeiros popstars brasileiros. Na autobiografia “Minha Fama de Mau” ele conta como o menino criado pela mãe numa casa de cômodos, superou todas as limitações e o preconceito da Zona Sul carioca, consagrando-se, junto ao amigo Roberto Carlos, como o porta-voz sentimental de milhões de pessoas
No final de 2002, os 40 anos de carreira de Erasmo foram comemorados com o lançamento da caixa “Mesmo que seja eu” – contendo toda a sua discografia no período de 1971 a 1988, repleta de material raro e inédito.
Ao longo da estrada, Erasmo Carlos foi protagonista da Jovem Guarda e da MPB, sempre com novos parceiros, sempre reformulando sua obra musical. Com o passar dos anos e uma maior abertura da cabeça, Erasmo passou a ser visto como o que sempre foi: um gigante do rock nacional, admirado e respeitado como uma das figuras mais relevantes dos primórdios do estilo no Brasil. As reações à sua morte, aos 81 anos, falam por si só. Um cara muito gente boa, Bicho! Aumenta o rádio!
Em fevereiro de 2020, logo no início da Pandemia, eu estava vivendo um relacionamento que já dava sinais de desgastes e já estava pensando em ir embora, uma coisa que marcou esta época foi um artigo que eu havia lido que falava de uma cafeteira, que a realização de uma pessoa estava em uma boa cafeteira.
Em meados de março de 2020 eu acabei me divorciando e indo morar em um apartamento na cidade vizinha, como sempre, sai deste relacionamento sem nada. No apartamento uma cama de segunda mão, uma TV, um sofá de segunda mão, uma geladeira e um fogão, mas ainda faltava a cafeteira, no meio daquele turbilhão de problemas, divórcio, contas para pagar de todos os tipos, reestruturar toda a minha vida e eu pensando na cafeteira como bote salva-vidas.
Fui a loja, tinha idealizado a cafeteira ideal, não queria que fosse de cápsula, não tinha poesia neste tipo, queria que fosse de café expresso, aço escovado, daquelas que vemos em padarias antigas, mas, o ideal nem sempre tem o custo ideal, ao ver o valor da cafeteira que gostaria de ter, dei uma recuada. Talvez o meu bote salva-vidas não precise de ar condicionado!
Busquei, busquei e busquei e achei uma cafeteira, elétrica, que você coloca o pó, a água e em pouco tempo o café fica pronto, mas não me atentei que a cafeteira era 220V e meu apartamento 110V, o café demora uma eternidade para ficar pronto e quando está pronto não está tão quente quanto deveria… mas lá está a cafeteira.
O tempo passou, já estamos em 2022, encontrei um novo amor, meu apartamento esta completo, já tenho mesa e tudo mais que é preciso ter em um apartamento. Ao sair de casa hoje pela manhã, final de 2022, olhei para minha cafeteira, a mesma que comprei lá atrás, me lembrei da idealização que fiz sobre ela e percebi que havia interpretado o texto de forma errada, não era sobre a cafeteira e sim sobre o processo de ter um espaço para construir seus sonhos, o cheiro do café pela manhã é a poesia que se espera no decorrer do dia.
Ainda tenho o sonho da cafeteira ideal, aquela de aço escovado, dos bares antigos de São Paulo, mas enquanto isso, a minha velha cafeteira ainda perfuma todas as minhas manhãs.
É gol, é gol, é GOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLl do Brasil…
Eu não sei vocês, mas eu adoro assistir aos jogos da copa. Acompanhar cada partida do meu país é pura emoção!
No momento do jogo, me torno um misto de personagens e separei os três mais evidentes… neles me reconheço e observo o quanto estão presentes nas diversas rodas de torcedores. São eles: O professor de La casa de Papel, o Pateta do Walt Disney, que se transforma quando entra no seu carro para dirigir, e Ferris Bueller, personagem do filme “Curtindo a Vida Adoidado”.
Sobre o primeiro, quem aqui não se sente o próprio técnico da partida de futebol?
Me sinto sabida, apresento ótimas estratégias e táticas para o Brasil vencer o inimigo!
Sim, sem perceber, penso que tudo sei, mesmo não conhecendo todas as regras do jogo.
O segundo é o mais evidente, assim como o Pateta no trânsito, perco a compostura e berro, me exalto, falo alto, brigo com a televisão, brigo com os jogadores e me sinto inconformada com o andamento do jogo e desempenho dos jogadores, na expectativa que meu devaneio seja escutado.
Mas se o Brasil ganha, aí tudo muda de figura, o que vale é curtir a vida adoidado, como no filme, afinal, só se vive uma vez… eu canto, danço, me emociono e vibro muito! Afinal, é gol, é gol, é goooooooooooolllllllllllllllllllllllllll do Brasil. Vitória!
Mas no dia 28 de novembro de 2022, me comportei diferente.
Durante o jogo, estava vibrando muito, até que me deparei com a notícia de trabalhadores que foram mortos na construção dos estádios. Fui pesquisar e descobri que o The Guardian, jornal inglês, fez um levantamento de que mais de 6.500 trabalhadores morreram nas obras dos estádios e de infraestrutura do país, para receber o Mundial. Muitos trabalhadores também não receberam pelos serviços na construção.
Verdade ou não? O fato é que este dado não pode ser ignorado!
Nesse dia, foi vitória do Brasil, ganhamos por 1 a 0 da Suécia e, com uma tristeza profunda, não consegui comemorar com a mesma energia de sempre. Fiquei estarrecida.
Afinal, como assim? A copa mais cara da história (Catar investiu 33 bilhões de reais) foi capaz de causar tanta tristeza?
Lamento, profundamente, que a sua operação possa ter permitido trabalho análogo a escravidão, possa ter resultado em mortes e, aparentemente, demonstre pouco caso com a vida de imigrantes.
Como Pollyana, personagem de Eleanor H. Porter, vislumbro a copa como uma oportunidade de avançarmos no oitavo objetivo sustentável definido pelas nações unidas, ou seja, de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos.
Mas, ao olhar atentamente aos fatos, me deparo com a sede de poder e ganância e, em função da minha ignorância nas pactuações políticas e geopolíticas, não vou ousar falar sobre os esquemas na construção dos estádios e muito menos sobre as negociações para o acordo de paz que estiveram envolvidos, mas ficou difícil comemorar como das outras vezes, pois na minha cabeça só ouvia a voz do Chico cantado: “morreu na contramão atrapalhando o sábado”.
E por que divido essa dor? Para chamar a atenção de todos em relação às contradições que nos acometem e por acreditar, de forma ingênua, em uma articulação mundial para que possamos agir em espírito de fraternidade, apurando os fatos e, se caso, confirmado esse descaso com a vida humana, possamos reparar, de alguma forma, essa dor!
Sim, no meu íntimo isso é possível, a começar com a sensibilização de patrocinadores da copa de 2022, de técnicos e jogadores e, principalmente, da Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA!
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Art. primeiro da Declaração de Direitos Humanos.
Eu era adolescente quando pela primeira vez ouvi a música ‘O Amor’ cantada pela Gal. Confesso que naquela época não entendia profundamente e conscientemente cada palavra e contexto daquela canção, mas o fato é que ela me tocou profundamente! A ponto de, mesmo sem entender por que, ficar com os olhos marejados (OK, puxei à minha mãe, músicas me fazem chorar…). Versos como ‘para que não mais existam amores servis’ são carregadas de significado. E até hoje ela me causa isso, principalmente porque hoje a entendo.
Só mais recentemente fui buscar a origem da música, o autor e tal, e minha admiração por ela aumentou mais ainda, ao descobrir que é uma adaptação feita por Caetano Veloso de um poema do poeta russo Maiakóvski, que lindamente protestou contra o comunismo em sua obra. E o final, ah… o final…
O ano era 1982, eu com quatorze anos. A cidade, Campinas. Era o primeiro carnaval que eu iria pular as cinco noites no Clube Cultura, além das três matinês. Os carnavais aconteciam em salões sociais dos clubes das cidades, era o acontecimento do ano, formavam-se os blocos, todo mundo se fantasiava, a energia era infinita, os hormônios borbulhavam, tudo era novidade, tudo era lindo, maravilhoso, era assim que eu me sentia.
Lembro perfeitamente a sensação de liberdade e alegria que tomava conta de todos. Eram tempos das famosas marchinhas de Carnaval, contando não dá para descrever, só quem viveu sabe da nostalgia de velhos carnavais. Festa do interior, música da Gal Costa embalou muitos dos meus carnavais, assim como os de uma geração. Ser Mulher 50 mais tem dessas coisas, ter vivido intensamente os anos 80, desculpe a sinceridade, mas os melhores anos que existiram para se viver uma juventude. Musicalmente, culturalmente e politicamente, lutávamos por felicidade, simplesmente cantávamos e dançavamos sem parar. Eram tempos de Titãs, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Blitz, Ira, Engenheiros do Havaii.
Nas minhas doces memórias, Gal me remete a Carnaval, minha juventude dourada, pele bronzeada, sem medo do sol, das primeiras paixões, corpo torneado, dos sonhos e das fantasias, lembro que o delírio das meninas era quando os meninos nos erguiam pela cintura e nos levantavam pelos ares dos salões. Clichê de cinquentona: “Bons Tempos”.
As primeiras vezes que escutei a canção “Negro Amor”, na interpretação de Gal Costa, o que mais me chamou atenção foi perceber um jeito estranho do que eu estava acostumado a ouvir na voz da cantora tropicalista. Esse estranhamento se deu, talvez porque o timbre da voz era dissonante; mesmo assim gostei da música.
“Negro Amor” foi gravada por Gal Costa no álbum “Caras e Bocas”, lançado em 1977. É uma versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti, para a canção de Bob Dylan “It’s all over now, baby blue”. A voz sedutora de Gal, chama a atenção pelo distanciamento dissonante que ela imprime em sua competente interpretação. Bem diferente de outras músicas da cantora, quando a doçura predomina, nessa música Gal confere um tom de voz sarcástico, que não busca imitar Bob Dylan, mas transpor a textura árida característica da voz do cantor estadunidense. A composição do trovador pop flutua num fluxo de consciência e monta uma justaposição de frases sustentadas por uma melodia caudalosa e remete à cultura pop dos anos 1960.
A letra de “It’s all over now, baby blue” está contaminada de influências da poesia simbolista de Artur Rimbaud. Estudiosos da obra de Bob Dylan acreditam que provavelmente o compositor faz referências às diversas personalidades que orbitavam no seu círculo de convivência em 1966, época em que a música foi incluída no álbum “Bringing it all back home”.
Caetano Veloso em seu livro “Verdade Tropical” lembra que muitas vezes entendeu erradamente o texto das canções de Bob Dylan e, mesmo sabendo que ele não estava dizendo o que Caetano supunha ouvir, o compositor baiano chegou a frases e ideias que lhe soavam maravilhosas que, talvez tenha usado como sugestões para letras de suas próprias canções. Para escrever sua versão para a música de Bob Dylan, Caetano fez uma tradução livre da música de Bob Dylan, a começar pela feliz transposição do título “Negro Amor” no lugar de “Baby Blue”.
Passaram-se muitos anos e, apesar de conhecer e gostar de “Negro Amor”, na voz de Gal Costa, eu não registrei a canção na minha memória, o que aconteceu com muitas outras músicas da cantora baiana que sempre estiveram presentes nas minhas seleções musicais. Sempre gostei da Gal Costa, como uma das minhas cantoras prediletas.
Em 1996 fui ao cinema assistir ao filme “Basquiat – traços de uma vida” dirigido por Julian Schnabell: uma cinebiografia de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), artista conhecido por suas pichações e grafites nas ruas de Nova York. De origem haitiana Basquiat foi descoberto por Andy Warhol, teve uma ascensão meteórica na cena da pop-arte, tornando-se uma estrela no mundo das artes.
O filme imperdível de Schnabell tem uma trilha sonora fantástica. Logo no início, numa cena em que Basquiat assiste vídeos na TV, ouve-se em back-ground uma música familiar. Trata-se da gravação de “It’s all over now, baby blue” na voz do cantor Van Morrison. Ao reconhecer a melodia da música, imediatamente lembrei da versão cantada por Gal Costa, voltei à escutar a música e fiz uma comparação entre as duas versões.
Vale a pena conferir alguns versos da canção, pois permite perceber esse paralelo entre o filme sobre Basquiat e a canção de Bob Dylan-CaetanoVeloso e Gal Costa:
The highway is for gamblers Better use your sense Take what you have gathered From coincidence
The empty handed painter from your streets
Is drawing crazy patterns on your sheets.
Na versão de Caetano:
A estrada é prá você, e o jogo e a indecência
Junte tudo que você conseguiu, por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice no seu lençol
Esse “pintor de rua” que aparece nas duas versões pode ser uma referência a Jean-Michel Basquiat: uma vida enunciada em pichações, depois, descoberta como nova arte, pop arte, ou arte pós-moderna. Traços de uma vida em plenitude criativa.
Tanto o filme de Schnabell, como a canção de Bob Dylan na tradução de Caetano Veloso, lindamente interpretada por Gal Costa apresenta figuras undergrounds, num desfile de pessoas que perambulam à deriva ignorados pela sociedade. Filme comovente, canção comovente pra quem frequenta a arte, não como mera representação e entretenimento, mas antes de tudo como porta voz de uma época e ao mesmo tempo como um grito de pedido de socorro. E não tem mais nada, negro amor!
Último capítulo de “Vale Tudo”, talvez a melhor novela de todos os tempos. O Brasil em frente aos televisores, quando as famílias assistiam TV juntas depois da janta, e, na ausência do controle remoto, as crianças eram escaladas pra mudar o canal nas brilhantes chaves seletoras, eu inclusive.
Não nessa noite! Ninguém nem ameace nem passar na frente da TV, quanto mais mudar o canal…
Eis que a impactante, dramática e moderna introdução de “Brasil” enche a sala e arranca aplausos e assobios da “platéia”. Vai começar!
De repente a voz. Aquela voz.
Uma interpretação transbordando energia, veneno, afinação, revolta, autoridade, sagacidade… humanidade.
Nos versos precisos de Cazuza, ela reclamava não termos sido convidados pra “festa pobre” da escolha do presidente sem a participação do povo.
Recém saídos do absurdo da Ditadura, o país quebrado e o presidente que queríamos, Tancredo, morto, exigíamos o básico do básico em uma democracia: Votar.
O Brasil unido pelo direito ao exercício da Democracia, quem diria…
E lá estava ela, atenta e forte.
A mesma voz que cantou as belezas tropicais com “sua voz enternecida”, e pedia atenção em um tempo escuro: “tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso”.
Cantou o bem e o mal de cada um, literalmente. “Paixão e carnaval”.
“Cada uma sabe a dor e a delícia de ser o que é.”
“Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada.”
Eu tenho pra mim que essa geração absolutamente brilhante e livre, teve o talento de ouvir, talvez até mais que cantar.
Construíram uma obra desconcertante e inimaginável em um país onde arte, até hoje, pasmem, é considerada vagabundagem.
Inventaram algo que hoje chamamos de MPB, que o mundo reverencia e aplaude como uma das mais finas e complexas formas de música e expressão.
Anos depois, minha queridíssima amiga Eliete me convidou pra ver “Gal canta Jobim”. Eu, fã alucinado do Maestro Soberano, com que eu viria a ter a honra de conversar demoradamente anos depois (sei que não vem ao caso, mas não resisti à lembrança).
Foi uma das noites musicais mais deslumbrantes da minha vida, e virou um disco ao vivo que ouço até hoje com requintes de obsessão.
Gal se vai em um momento que me lembra um pouco aquela época. “Tente entender em que ano estamos…”
Agradeço ao Universo a honra de estar vivo ao mesmo tempo que ela e esses verdadeiros faróis de lucidez e integridade a nos oferecem reflexão e beleza, uma beleza profunda.
Na novela, a cena icônica do personagem de Reginaldo Farias, corrupto, fugindo do país de helicóptero e “dando uma banana” para o Brasil, tem mais uma vez a voz cortante dela colorindo o quadro que, de tão triste e tão real, chegava a provocar risos envergonhados.
E quem matou Odete Roitman, ora, ora, quem diria, já perigosa e doentia, foi a Cássia Kiss…
Em 1999, conheci um rapaz muito especial, começamos a sair, nos conhecer melhor, após algumas semanas ele me convidou para viajar, o destino: Monte Verde, e eu encantada que estava com o desenrolar de nossos encontros fui, no caminho entre risos e conversas ouvi no rádio uma música que me chamou muito a atenção, escutava a inconfundível voz da Gal Costa, aquele timbre maravilhoso que só ela tinha, também foi nesse momento que ouvi Zeca Baleiro pela primeira vez, ele fazia uma participação especial nessa versão da música “Vapor Barato”, que letra, que interpretação, fiquei extasiada, senti uma emoção muito grande, olhava a paisagem maravilhosa, o Celso ali do meu lado, eu me apaixonando a cada dia mais por ele, a voz da Gal, a música soava triste, intensa, profunda de uma maneira incomum, meu coração se enterneceu, óbvio que continuei a conversa e dei total atenção ao meu querido futuro namorado e mais futuro ainda marido mas não conseguia parar de pensar naquela canção.
Quando voltei para Campinas, procurei informação sobre a letra e descobri com surpresa que a música já tinha sido gravada muitos anos antes pela Gal Costa mas, infelizmente eu só fui me abrir para a beleza e profundidade dela muitos anos depois, soube também que foi composta logo no inicio da Ditadura e por isso soa tão triste e sem esperança, quase um lamento, tenho que confessar que na primeira escuta só pensei em romance pois a música dizia “minha Honey baby! Baby! Com tal intensidade que somente a Gal poderia trazer, e eu feliz e envolvida que estava com o Celso só pensei no amor, amor esse que se transformou, cresceu e deu em casamento e filhos.
Obrigada Gal por sua passagem tão linda pela Terra, por essa memória tão doce que guardo de um tempo precioso da minha vida, sua arte mudou e enriqueceu a vida de muitos, seguramente engrandeceu a minha vida, me trouxe alento em momentos de tristeza e me presenteou com faíscas de amor em formato de memórias da minha história com meu hoje e espero sempre marido Celso.
Gosto de pensar que tem um céu dos meus cantores preferidos e agora Renato Russo, Cássia Eller, Elis Regina e o Paulinho do Roupa Nova entre outros te receberam com música da melhor qualidade. Vá em paz minha querida “Honey baby”.
Mudei-me para São Paulo em fevereiro/1979, aos 22 anos de idade.
O álbum Água Viva, de Gal Costa, recém lançado em 78, trazia a música Folhetim.
Àquela época, tudo o que meu corpo conhecia de sexo resumia-se nos ‘malhos’, com o namorado, dentro do carro…, os quais afloravam meus desejos e fantasias pela consumação do ato.
Enquanto eu me perdia na Marginal Pinheiros, frequentemente sem saber se estava indo ou voltando, a antiga fita cassete tocava Folhetim, de Gal Costa.
Em 1979 não havia rodízio de carros e ficávamos horas parados num trânsito insuportável, momento em que aproveitava para rebobinar a fita e ouvir Folhetim, repetidamente.
Refletia sobre aquela letra, que falava de uma só mulher, mas me mostrava a faceta de várias delas: A mulher que teoricamente eu nunca seria; a mulher que faz sexo por prazer; a que o faz por profissão; a que se vê sem opção; a que através dele exercita o seu poder… ou aquela… em quem o tesão exacerbado quer te tornar, vez ou outra… E acho que era para esta mulher que a música me transportava.
A voz de Gal, de agudo aveludado, atribuiu verdades a todas as frases proferidas. Ela emprestou corpo e alma à personagem da letra desta música, criada por Chico Buarque. Ela animou a “pedra falsa”, o “sonho de valsa” e o “corte de cetim”.
Em sua doce voz eu sentia o poder daquela mulher que dizia “meias verdades” para que ele sentisse que a possuía. Mais que isso, admirava, e talvez até invejava, a meiga franqueza e firmeza com que ela “virava a página de seu folhetim e o descartava”.
Esta música foi a grande marca da Gal Costa em minha vida. Até hoje, ao ouví-la, resgato essa mulher que habita meu íntimo sombrio.
A Gal jamais será uma página virada em meu Folhetim.
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