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De amor e ossos do ofício – pequenas histórias do tamanho do mundo no cotidiano de uma mãe

A começar pelo parto com escala, Luisa (ainda na barriga) e eu demos entrada no Hospital Vera Cruz, a bolsa rompida, aquela emoção agoniante, a barriga gigante e um medo ainda maior que só as mães sabem o tamanho dele, pensamentos cavalgando, volta pensamento, concentra na respiração, liga para a doula, conversa com o médico, aperta a mão do marido, vai no banheiro, daqui a pouco vou ver a carinha dela, fica feliz, fica louca, fica pensando que não vai dilatar, fica com medo da dor que sabe que virá, sente um cansaço absurdo, se preocupa com a outra filha de 2 anos que está com a avó, pensa: “será que comeu?” marido assina papelada da internação, almoçamos no hospital, nada de dilatação, médico chega e nos diz que se não dilatar vai ter que induzir com medicação, o único detalhe é que não tem a medicação no hospital, tudo o que não queria era essa tensão nesse momento, tenho que decidir: se não dilatar, sem medicação vou ter que ser submetida a um cesárea, falo com Deus, falo com o marido, choro, respiro, decido e no meio do trabalho de parto vou para o Centro Médico, lá posso ter a chance de um parto normal, Luisa fez escala no Vera Cruz e finalmente nasceu de parto normal induzido no Centro Médico.

Tenho duas filhas: Clara e Luisa, 14 e 12 anos respectivamente, como toda mãe também tenho uma coleção de histórias para contar nessa outra vida que começou após o nascimento delas, o velho chavão é verdadeiro na minha trajetória: “nasce uma criança, nasce uma mãe”, a experiência do “maternar”, efetivamente foi um divisor de águas em minha vida, ainda me lembro a cara de espanto do primeiro homeopata da primogênita quando contamos que tínhamos uma planilha para anotar os horários das mamadas, cocos e xixis, meu marido e eu queríamos ser tão eficientes nos cuidados que exageramos nos controles, depois quando achávamos que já estávamos experientes, veio a segunda e nos vimos às voltas com uma rotina desgastante e intensa de cuidados com duas, na primeira vez que ficaram doentes juntas voltamos a utilizar as famosas planilhas pois um dia ficamos tão exaustos que chegamos a dar o remédio trocado para elas, um dia prendi o dedo da Luisa na porta do carro, quase desmaiei pensando que tinha esmagado o dedinho dela, no outro prendi a fivela do cinto do cadeirão na coxinha fofinha dela, ela deu um berro, demorei alguns segundo para entender o que estava acontecendo, abri o cinto rapidamente, belisquei a menina sem querer, e o remorso… ah, e quando a Luisa com 3 anos teve que fazer uma cirurgia de catarata, eu desesperada com medo da anestesia geral, do tampão que teria que usar depois, meu coração apertado vendo aquele serzinho tão inocente que não enxergava de um olho, foi um daqueles momentos que o coração de mãe explode, parece que a gente não vai aguentar a grandeza do amor que sente, é uma mistura turbulenta do amor mais puro do mundo e do mais terrível medo de tudo: de que sinta dor, de que se machuque, de que o pior aconteça, no momento seguinte olho para a carinha dela e está feliz da vida se divertindo em cima da maca do hospital, acorda da anestesia e na sequência já pergunta se vai andar de maca de novo, que encanto essa leveza e essa pureza das crianças, quem convive com elas sabe o poder de nos transformar para melhor que elas têm.

Entre sustos, cuidados e novidades de cada fase das meninas, como dizer o “indizível”, sobre o amar tanto a outra pessoa que é impossível descrever, como dizer sobre a mãozinha de 3 anos fazendo carinho no seu rosto e esse gesto ter o poder de apagar todas as agruras de um dia difícil, e depois já na adolescência o precioso beijo e abraço espontâneo das filhas em público que é como um grande prêmio, como explicar que rir até doer a barriga com sua filha em alguns momentos pode gerar uma conexão tão profunda que você nem sabia que isso existia até sentir, como descrever que ao ouvir a palavra “mamãe” a gente se sente importante, ser mãe é o meu papel mais desafiador, não há garantias, semeamos e cuidamos com toneladas de paciência e não sabemos o que será a colheita, não é um caminho linear, há sentimentos conflitantes, há a rotina diária minando a paciência, há intrincadas interferências e temperamentos envolvidos nas dinâmicas familiares,  há o caminho pregresso que vivemos com nossos próprios pais que vem bisbilhotar e interferir no nosso caminho como pais mas é também  recompensador, ter o privilégio de educar uma criança e ver cada passo de seu desenvolvimento e amá-la mesmo quando ela exaure todas as suas forças e sua paciência ao ponto de você achar que não nasceu para a função e ao se defrontar todos os dias com esse jorro de sentimentos é quando o amor vai se lapidando, amo minhas filhas de todo coração e meu mundo é muito melhor por elas existirem nele.

Eliane Ibrahim – Bela Urbana, administradora, professora de Inglês, mãe de duas, esposa, feminista, ama cozinhar, ler, viajar e conversar longamente e profundamente sobre a vida com os amigos do peito, apaixonada pela “Disciplina Positiva” na educação das crianças, praticante e entusiasta da Comunicação não-violenta (CNV) e do perdão.
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