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Nunca sei onde tudo começa…

As vezes parto dos jardins de Rosa, minha bisavó de vó e mãe, e de um amor que a gente hoje teima em ver apenas em livro bom… Ela, em sua forçosa pena de freira, cumpria a tradição sem vocação, vendo o mundo revezar da janela do convento. Mas era feita de flor e força, e reagiu no dia em que lhe brotou o amor, quando o velho jardineiro de sempre deu ao sobrinho, jardineiro de nunca, a missão de “educar” os jardins… E através da moldura de pedra, a Rosa viva e o jovem jardineiro substituto viram nascer o amor à primeira vista, e vencer a deserdação, as incertezas e o próprio tempo. Vó Delfina nasceu dessa luta… Gosto muito dessa parte do caminho que chega até aqui… Orgulho-me dessa coragem, sorrindo ao imaginar que um pouco dela ainda corre, quase nada diluída, nas minhas veias de admiração pela minha avó e por minha mãe.

As vezes tropeço na fila de pretendentes de meu bisavô de vô e mãe, no tempo em que se ia aos tabloides do Porto atrás de nova chance de matrimônio. Mas que tipo de amor pode nascer daí? – você se pergunta… O mais puro de toda a minha certeza. Na fileira de candidatas a bisavó, minha futura avó Delfina, única e ímpar, tentava a sorte. Muitas vidas a levaram até ali, algumas que os segredos já não contam mais, mas que muitos fados saberiam cantar em sua própria voz (e como eu gostaria de ouvir!). Esperava sua vez… Na outra ponta do acaso, um dos filhos de meu bisavô Cardoso resolveu ser mais. Pugilista desconstruído à mágoas, basquetebolista de rala-coco, nadador d’ouro e ourives de prata, jamais soube que era a minha pessoa favorita nesse mundo, mas encontrou ali, naquela fila de mãe postiça, a dona de seu coração e do que mais pudesse querer. Seu Cardoso, como o tempo tratou de cunhar, foi de Dona Delfina até o fim. E eu sempre acho esse um começo muito lindo de compartilhar. Portugal ficou no mar quando veio o Brasil, e o amor absolvido deu alguns filhos incontestáveis. E há, ainda, nessas vírgulas de conto de fadas, um bocado de começos e amores viscerais…

As vezes entro um pouco mais à frente no tempo, quando “o sol” ainda era rua e mãe do último, primeiro e eterno Milheiro brasileiro. Reza a lenda que ela, “o sol” da rua do sol, irmã de meu avô de mãe, e mãe de meu Dindinho-vô, era a personificação da beleza. E entra aqui, nesse outro começo, como primeira musa do meu belo Dindinho, sopro de amor em seu lar de tantas privações. Cresceu (ele) fugindo da fome nas macieiras dos vizinhos, onde também se escondia da falta de amor de seu pai. Aprendeu a machucar, mas o que soube mesmo fazer, desse esconderijo em diante, foi ensinar o valor da luta e do cuidar. A falta de comida e de amor o levou a ter sempre maçãs em casa, e a amar demais… E como amou!.. A segunda musa, essa proibida, já apareceu em outro começo.. Em outra de suas escapadas do pai, encontrou no lar de seu tio (meu avô Cardoso, irmão de sua mãe), refúgio, sem imaginar que acharia mais do que procurava. A terceira paixão da família irrompe aí.. Avassaladora, instintiva, recíproca, desenfreada, incontrolável, corroendo limites, diluindo diferenças de idade, e acontecendo à flor da pele em outros novos esconderijos. Uma Tia, que é também minha avó Delfina, e seu sobrinho, meu Dindinho também, impulsionados a amantes de uma forma que eu jamais conseguiria julgar. Nem preciso. Primeiro nos segredos de Portugal.. E depois, ante a saudade de alguns poucos anos de afastados, veio ao Brasil ter com seus tios, o sobrinho que era mais.. Minha mãe nasce por aí, nesses tempos de glória e mais luta, para ser mais uma de suas musas descendentes, e meus tios, poucos anos depois, completam o ninho. No mesmo lar uma mãe, dois pais, dois tios, filhos, primos e irmãos, e um segredo que jamais poderia superar o amor. Não superou.

As vezes acabo começando pelo fim, que é também começo, quando eu já estava aqui de prova, de feto e de fato, de afeto e artefato, neto de meus avós de mãe, e crescendo nessa deliciosa família sem par. E eu fui neto mesmo de verdade, até quando de mentira, indo pra lá e pra cá entre Santa Teresa e Ipanema, céu e céu, entre amores e elos que nenhuma desconfiança poderia alcançar. Me esbaldei! Até meus 16 anos foi desse jeito: o vô era o Cardoso, e eu tinha algo que ninguém mais tinha – um Dindinho que era tipo segundo vô. Aí o primeiro se foi, e o segundo virou primeiro, até que deixou de ser, também, depois, nesse balé de cuca-maluca. O teste pra desenrolar terminou de confundir, e a verdade da vez é que minha mãe não é mais filha do Dindinho de novo, que é pai dos meus tios realmente, que não são filhos do Cardoso por enquanto, que pode ser o pai da minha mãe com certeza.. E é, também, meu avô, novamente, e pai, também, dos meus tios, sem duvida, e avô dos meus primos além, e eternas saudades enfim, enquanto o Dindinho, que então se apaga, foi e é, também, tudo isso, e muito isso, e muito mais, e de novo, e em dobro, e pra sempre, sempre. Foi mesmo filho do sol.. E hoje somos todos saudades raiadas.

O fato é que nunca sei mesmo onde tudo começa na história da gente, mas me aplaca pensar que posso ir por aí, por qualquer desses muitos começos, que terei sempre um grande amor pra contar e explicar a nossa familia. Nasceu e cresceu em amores reais, que de tão ternos e eternos, seguem vivos na gente, entre a gente e da gente, com cada um que partiu sendo, pra sempre, parte de nós. A missão agora é seguir, começando, todo dia de novo, e juntos.

Obrigado por tudo, Dindinho-vô.

Bernardo Fernandes – Belo Urbano. Um gêmio canceriano, e um ingênuo de 35 anos, nesse contínuo processo insano de se descobrir. Achou na Comunicação uma paixão e uma labuta, e vive nessa luta de existir além do resistir, fazendo diferente e diferença… Ser feliz de propósito, sabe? Sem se distrair desse propósito. E vai assim, escrevendo o que a alma escolhe dizer, tocando o que a viola resolve contar, fazendo festas com cachorros e amigos perdidos, e brincando de volei, de pique, e de ser feliz na aventura da sua viagem. Vai uma carona?
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