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O dia que eu descobri que era preta

Quando a gente é criança não entende muito o que se passa na cabeça dos adultos mas fazemos um esforço danado para sermos iguais.

Quando pequena, infelizmente, tive um grande exemplo de adulto muito influente que me dizia ser muito mais legal e bonito ter o cabelo liso, olhos claros e pele alva.

Eu o idolatrava e logo passei a acreditar ser o ideal de beleza.

Quantas noites passei em claro com medo de estragar a chapinha e torcendo pra não chover no dia seguinte. Suor? Nem pensar!

Achava que tinha nascido na cor errada.

Descobri que era ‘morena’ no colégio.

Sabe a história da menina preta que vive à sombra da amiga branca?

Então…

Mesmo que ninguém assumisse era palpável o preconceito. Certa vez na escola sortearam duas vezes quem seria a noiva da festa junina, uma vez meu nome foi o primeiro à sair mas ninguém concordou porque eu não atendia os padrões. Em tempo, pois até o meu par me abandonou no dia da festa por estar com vergonha.

Antigamente nem todos assumiam sua beleza natural, hoje existe o movimento que nos fortaleceu.

Lá atrás houve muita noite de choro e frustração antes de toda essa voz preta ecoar.

Estávamos entalados, entendem?
(… pausa e um café).

Na adolescência a única mais escurinha numa certa escola.

Era proibido dizer negra. Negra não, morena. Moreninha.

E o que dizer de um ser de luz (falha) que teve a ousadia de dizer que eu deveria ter vergonha de dizer e assumir a identidade negra uma vez que eu era “queimada de sol”?

Hahaha a ignorância ainda me assusta.

Precisa dizer a preferência dos empregadores?

– Adoramos seu currículo realmente, bastante, mas ainda não se encaixa no nosso perfil.

Ao voltar na loja coincidentemente era sempre a clarinha de cabelo liso e coque-vovó quem estava ocupando a vaga.

Uma vez ouvi e nunca mais esqueci “quando se nasce preto é preciso ser duas vezes melhor” e sem problemas eu consigo mil vezes mais.

Estamos rodeados de racistas, desde a mídia até o seu vizinho.

No dia que eu realmente descobri que era negra bati de frente com uma colega de trabalho que me confrontou ao dizer “você nem escura é, você é morena. Não negra, negro é só quem já parece um carvão”.

Talvez aquele dia foi um dos raros em que senti tanto ódio à ponto de ficar mal o resto do dia.

Eu já tinha aprendido me amar muito, aceitar cada cabelinho crespo na minha cabeça, mas à partir daquele dia algo mudou.

Vocês sabem, nós mulheres pretas sempre ouvimos mais cedo ou mais tarde a famosa frase “neguinha metida essa daí” e talvez sejamos mesmo porque depois daquela patifaria toda eu me fortaleci.

Carreguei meu black power de argumento, ajeitei com o garfo e estou sendo feliz até hoje.

Feliz e preta.

Brincadeiras à parte, é péssimo saber que infelizmente uma geração todinha está crescendo e vai passar por isso. É lastimável criar um filho dando todas as orientações de como se proteger de alguém que deveria estar protegendo ele em caso de um enquadro.

O povo preto não está mais para brincadeiras e nem tolerando conversas banais.

Avante uma nação inteira e mista!

Acredito em um mundo inteiro de paz e harmonia entre raças, sem hierarquias entre etnias, mas para isso precisamos acordar, nos unir, apoiar o que de fato é certo, beber muita água, cuidar das plantas e fogo nos racistas!

Ainda vamos fazer ecoar no universo o nosso grito de resistência!

Gi Gonçalves – Bela Urbana, mãe, mulher e profissional. Acredita na igualdade social e luta por um mundo onde as mulheres conheçam o seu próprio valor. 
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