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Olhando na janela, esperando voltar

De repente a escola estava vazia. Silenciosa e triste. Sem o coral de vozes habitual, sem o tilintar dos talheres na tão esperada hora do almoço, sem as bolas pulando, sem as cordas batendo, sem os “abraços surpresa” no meio do pátio ou do corredor… Sem as crianças.

Eu tenho certeza que todas as pessoas nesse mundo estão, nesse momento, sofrendo de alguma forma, e uma pessoa muito especial me disse um dia que todas as dores são importantes e por isso, incomparáveis. Mas hoje eu queria muito saber como as crianças estão. Elas e suas famílias. Todas.

Mais do que saber como ficarão os conteúdos, de que forma as aulas serão repostas, qual a logística que as escolas adotarão… como ficará o tão falado ano letivo. Não. Queria saber como as crianças e as suas famílias estão. Quero poder falar com eles. Dizer também da minha angústia e preocupação. Saber se estão comendo. Se estão nervosos, preocupados… Como estão digerindo tudo isso?

Eu estudei, eu li, eu sei a importância da escola, desse espaço, da construção do conhecimento, mas eu sei também que são seres humanos que vivenciam esse processo. Muito se fala sobre a educação, sobre a escola, sobre a formação dos profissionais que lá estão.

Mas não falamos muito sobre dois pontos fundamentais. Primeiro, sobre a vida que é vivida na escola. Sobre a troca que acontece desde que os nossos olhares se cruzam no portão até a hora do ‘Até amanhã tia’. É dessa vida que estou sentindo falta, da troca humana e de tantos aprendizados meus e deles que muitas vezes não constam em currículo. E segundo, do fato de que embora lecionemos “com” as crianças, cada criança representa uma família, e essa família é tão importante no processo educativo quanto as crianças. São importantes pra mim. São importantes pra nós professores. O que é dito, pensado, planejado, sempre levou em consideração esse conjunto de pessoas tão importante, e agora não seria diferente, não se trata de conteúdo, mas de vidas que são queridas.

Nós professoras e gestão temos nos reunido virtualmente, temos estudado, planejado, organizado, sonhado, dentro do possível. Foram criados espaços de aprendizagem virtuais para que o contato com as crianças e famílias aconteça. Um processo, que leva tempo até “todos” se organizarem pra isso.

A escola precisa se reinventar? Sim, há muito o que melhorar. Porém isso não se resume a tecnologia ou algo do tipo. Eu não vou entrar na discussão sobre educação remota ou educação à distância, primeiro por que preciso lembrar que a escola é só uma parte (muito importante) de um sistema que precisa funcionar melhor e talvez se reinventar em vários aspectos. E segundo, porque isso me lembra uma frase do Paulo Freire que alimenta muitos dos meus dias na escola (e tem alimentado agora fora dela também) “Se você não fizer hoje o que hoje pode ser feito, e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente fará amanhã o que hoje deixou de fazer, porque as condições se alteram”.

Então, nesse momento, eu posso dizer que estamos fazendo o nosso melhor, hoje. Tenho visto colegas se superarem em tanta coisa para conseguir chegar mais perto das famílias de alguma forma, gravando vídeos, arrecadando mantimentos, produtos de limpeza, fazendo cestas básicas chegarem até a comunidade, tenho visto uma rede de apoio florescer nesse campo de incerteza.

Uma das últimas atividades que fizemos foi discutir a “saudade”. Nós lemos um livro que se chama Menina Amarrotada e eles me disseram que saudade é quando a gente sente falta, quando uma pessoa fica longe da outra, quando sente falta da pessoa e dói o coração, querer ficar perto da pessoa e não poder e eles estão cobertos de razão! Eu estou assim, sentindo tudo isso, “olhando na janela, esperando voltar…” E você?

Michelle Felippe – Bela Urbana, professora por convicção e teimosa. Apaixonada por doces, cinema, poesia urbana e astrologia. Acredita que ainda vai aprender a levar a vida com a mesma leveza e impetuosidade das crianças.
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