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RExistindo pelas beiradas e descobrindo que todo espaço também é nosso

Uma quinta-feira quente e as meninas estão brincando fora da quadra. Pode parecer uma grande bobagem, mas não é. Sendo a quadra de cimento uma só, elas nem tentam ocupá-la, elas nem tentam brincar com a única bola, elas nem tentam usar o espaço da quadra… Elas brincam “pelas beiradas”, na grama, na escada…

Decido sugerir delicadamente que os meninos abram espaço para elas. Faço o convite e elas prontamente correm em direção a bola, um misto de entusiasmo e alegria toma conta do cimento. Rapidamente elas organizam uma queimada.

Três minutos depois meninas e meninos se misturam. Alguns outros minutos depois e começo a perceber nessa mistura, qual é a voz mais forte? Quem eu escuto tentando organizar a brincadeira? Quem fica com a bola mais tempo? Não são elas. E não por falta de habilidade, elas são ótimas! Não pela amplitude no tom da voz, as suas vozes são potentes! Mas…

Coisas que podem parecer tão bobas para uma professora que tem tantas coisas para pensar, mas não são. Muitas de nós cresceram assim, “existindo pelas beiradas”, tentando e muitas vezes não conseguindo ocupar espaços, tentando colocar a sua voz no mundo, algumas vezes nem tendo a coragem de tentar, brincando com brinquedos e brincadeiras “de menina”, tendo que ficar feliz e satisfeitas com o “cor de rosa”, com o desenho da princesa, mesmo que quisesse muito o do homem aranha, duvidando da nossa habilidade, da nossa potência, ou mesmo do nosso simples desejo de brincar de outras coisas, de subir numa árvore, de brincar com uma bola.

Isso não é pouco, isso vai nos dizendo como nos comportar no mundo. Isso vai nos mostrando qual o lugar que acham que podemos ocupar.

Quem vai mostrar a possibilidade de existir de outra forma? Qual a importância de dar voz a elas? Qual a importância de prestar atenção em como as tratamos, em que lugar as colocamos, nos julgamentos que fazemos com relação ao tamanho do short de uma criança e não dos olhares que meninos são ensinados a ter desde pequenos (meninos também crianças, mas essa é uma outra discussão).

Montsserat Moreno escreveu um livro que se chama “Como se ensina a ser menina na escola” e ela nos diz que “Para cada um só é possível o que pode imaginar, só é real o que pensa que existe e só é certo aquilo que acredita” e justamente por isso cada vez mais acredito ser impossível estar no mundo e principalmente na escola e não prestar atenção em como nos posicionamos em relação a situações como essas.

A escola, para além do espaço no qual acontece a formação intelectual e social das crianças, ela pode e precisa ser também o espaço no qual se questione, se crie alternativas, se busque novas maneiras de interpretar o mundo que nos cerca e também de criar outras formas de estar nele e organizá-lo.

Olhando para elas, agora dentro da quadra, penso que nem imaginam que eu estou aprendendo tanto ainda… Como professora e também como mulher.

Michelle Felippe – Bela Urbana, professora por convicção e teimosa. Apaixonada por doces, cinema, poesia urbana e astrologia. Acredita que ainda vai aprender a levar a vida com a mesma leveza e impetuosidade das crianças.
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