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O tempo e a memória: registros e interpretações!

Hoje encontrei fotos que tirei quando fazia ensaios fotográficos no Rio de Janeiro. Como o tempo passou e de lá pra cá muitas transformações, conexões, estudos, treinamentos construídos e realizados, trabalhos corporativos, relacionamentos, afastamentos e reconexões. Fiquei refletindo em como a construção de nossa história pessoal em nossa memória não é algo linear com uma lógica ascendente e previsível, apesar de ter uma lógica e fazer todo o sentido, parece que o tempo, como dimensão psicológica, passa de forma diferente para cada pessoa, e às vezes uma pessoa pode guardar na memória uma infinidade de caminhos lógicos para o mesmo processo vivido. Podemos escolher dentro de todas as possibilidades que nossa mente apresenta quais nuances e cores recolher de nossa história?

Quando estudei a matéria de Filosofia da história percebi algo parecido em relação a história da humanidade, onde pude entender que nossa trajetória humana guarda uma memória ancestral que pode ser contada a partir de variados enfoques, mesmo que o caminho percorrido tenha sido um só considerando apenas a lógica dos fatos, com ciclos de início e fim para grandes civilizações, mas deixando registros e evidências recolhidos e preservados. Se a narrativa apresentada ou escolhida já tem um enfoque que depende de diversos fatores, onde encontrar a memória ancestral que nos indique para onde estamos indo, que caminhos já percorremos e o que precisamos fazer para melhorar nosso futuro como grupo humano?

Essas questões me fazem buscar cada vez mais nos antigos ensinamentos das tradições que a filosofia me presenteou. Quando observamos a natureza com cuidado, podemos perceber a integração da vida que se reflete na percepção de unidade. Ao caminhar por uma trilha encontramos pedras, plantas, animais, e muita diversidade, mas nunca tive sensação de que algo estivesse isolado, na verdade, tudo parecia estar em comunhão.

Muitos sábios e filósofos apresentaram essa questão da unidade presente na multiplicidade. Desde os pré-socráticos dos séculos antes de Cristo até filósofos modernos, a busca da sabedoria esteve pautada na busca da Causa primeira, fundamento metafísico que por evidência lógica permeava toda a multiplicidade da natureza.

Os filósofos pré-socráticos chamavam a Natureza de Physis, e por isso foram chamados de físicos por Aristóteles, filósofo grego que se dedicou bastante em nos falar desses sábios da Grécia clássica. Se hoje não temos como ler seus textos completos, por causa da ignorância histórica que destrói o que não compreende, podemos ainda acessar seus ensinamentos através do olhar de Aristóteles. Esses sábios antigos tinham uma forma de ver a Natureza como algo completo, e mesmo escolhessem abordar um enfoque da natureza não deixavam de ter como fundamento sua totalidade, asim como percebiam que havia uma direção ou finalidade que se evidenciava na harmonia existente nas relações entre as diversas partes integradas na Natureza.

Para esses sábios essa harmonia presente na multiplicidade da Natureza só era possível por que havia uma Causa primeira de onde todas as dualidades surgiam e para onde retornavam. Portanto outro princípio importante para os filósofos pré-socráticos era que a Causa e a Finalidade eram uma mesma coisa. Por isso muitos estudiosos destes sábios falam do eterno retorno. O que posso explicar mais a frente. Isso que era causa e retorno de tudo que é múltiplo que muitas vezes é chamado por vários nomes na história da filosofia e na história humana: Thales de Mileto dizia que era a Àgua que dava origem e vivificava toda a natureza; Anaxímenes afirmava que era o Ar como alento divino; Anaximandro atribuía a causa da vida ao Ápeiron; interpretado como o “infinito”; Pitágoras apresentava o Número como princípio de toda a multiplicidade; Parmênides chamava esse princípio de Ente; Empédocles considerava a mistura dos elementos terra, água, ar e fogo; Demócrito considerava o Átomo a partícula última que não se divide; Heráclito dizia que o princípio de todas as coisas era o fogo. Muitos comentadores acreditam que Heráclito desconsiderava o elemento metafísico da Natureza, porque seu enfoque principal era sobre o Devir, ou seja, o movimento que transforma todas as coisas que podemos ver através da alternância dos contrários. Heráclito também afirmava que no fundo dessa aparente guerra dos contrários havia harmonia, que vem do Logos, a lei universal da Natureza.

A questão é que cada filósofo da história da filosofia clássica se dedicou a dar um enfoque diferente ao fundamento metafísico que era causa e finalidade de toda a manifestação, “as coisas aparecem e desaparecem”; “do Ápeiron surge a primeira dualidade que dará origem à multiplicidade”; “Todas as coisas surgem em desequilíbrio e buscam se equilibrar” “Voltar ao seu equilíbrio é voltar à Causa primeira”.

Mas afinal o que seria essa causa primeira para os filósofos pré-socráticos?

Ana Paixão – Bela Urbana, filosofa, pedagoga, palestrante e educadora que trabalha com treinamentos há mais de 10 anos