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Viajo no tempo

Viajo no tempo e me vejo na primeira infância falando pelo telefone preto, pesado – grande para aquela mãozinha –, com a Carminha Lucia, a amiga imaginária. Lembro-me do avô Julio querendo me levar para a casa dela, sorrio ao lembrar. Será que ele era um provocador?

Viajo um pouco mais no tempo e lá estou eu sentada ao lado desse avô na sua casa, eu ouvindo-o me contar sobre seu pai quando veio para o Brasil brigado com o pai dele (meu trisavô), que iria se casar de novo.

Viajo mais um pouco no tempo, mas para uma época perto daquela, e lá estou de novo com meu avô analisando a grafologia das amigas do colégio: “essa é burra, a letra é assim…”, “essa é íntegra…”, aprendendo sobre numerologia, linhas da mão, e sem perceber nascia ali a Madame Zoraide.

Viajo de novo e vou para o carnaval da infância, matinê no clube, vestida de baiana, o colar da prima Gi arrebentou antes de irmos… o choro…, mas no final nos divertimos com muitos confetes e serpentinas no salão, tudo certo, brincar sempre foi bom.

Viajo novamente e lá estou com a amiga Kátia, fazendo aulas de direção juntas, fazíamos muitas coisas juntas, o instrutor desesperado, que as alunas saíram sozinhas com o carro. Lembro-me dos olhos verdes do instrutor.

Na esquina do tempo, me vejo prestes a entrar na igreja com meu pai ao lado, escuto de uma futura (ex) cunhada que nunca viu uma noiva tão calma. A frase ficou na cabeça, contei para a Gi e ela disse: “é porque fizemos teatro, já conhecemos um palco”.

Viajo para a infância, acordo na sala, desesperada, achando que iria morrer porque algo dentro de mim fazia barulho, e a Vó Gisa a me dizer que aquilo era o coração que batia. Fazia barulho porque eu estava viva, “se parar, morre”. Quantas vezes coloquei a mão no peito só para sentir o coração bater e saber que estava viva.

Viajei de novo no tempo e fui para o começo da Modo na casa da Vó Luiza, tempo bom, muitas lembranças, bilhetinhos, fax, paradas para fazer o almoço, hortinha no quintal, máquina elétrica de escrever e um telefone preto que enfeita hoje a minha casa, 23560, era esse o número, depois entrou um 3 na frente e da minha casa foram 87054, 516529, 32516529, tivemos também o 32542001 e depois tive o 32130585 – será que este era o da minha casa ou da Modo? Neste momento não sei mais.

Viajo no tempo e estou no sofá passando a mão na barriga, sentindo o bebê mexer, e digo: “oi, filho”, ele acalma, quando nasce chora, vem para perto do meu rosto e eu digo: “oi, filho” e ele para de chorar na hora, Bruno, o meu mais velho.

Com cada filho, uma lembrança no nascimento. Pedro com o choro forte e voz grossa, até as enfermeiras falaram, e com a Carol chorei muito entrando no centro cirúrgico, medo de morrer e deixar os três, mas foi tudo bem e ela nasceu linda, forte e saudável.

E que mãe sou eu, afinal? Prefiro não responder, deixo a pergunta para meus filhos.

Na esquina do tempo, lembro do bolo de formiguinha da minha mãe e de tantos outros sabores que já experimentei.

Pés na areia, água salgada, montanha, escola de samba, danceteria, festival de violão, balé, teatro, comemorando a entrada na faculdade. A sensação boa ao descobrir como é bom abraçar e ser abraçada pelo namorado. Andar de bicicleta…

As memórias são tão ricas que nem cabem em um só sonho ou texto. Fico com elas dentro de mim, construindo todo dia novas.

Às vezes os dias são quentes, mas tem lágrimas. Às vezes os pés doem. Às vezes o carro para. Às vezes eu viro a esquina errada e mudo o caminho, e, nesse caminho, afetos. Sim, encontro muitos afetos e alguns poucos desafetos.

A vida é ida!

Adriana Chebabi  – Bela Urbana, sócia-fundadora e editora-chefe do Belas Urbanas, desde 2014. Publicitária. Roteirista. Escritora. Curiosa por natureza.  Divide seu tempo entre seu trabalho de comunicação e mkt e as diversas funções que toda mulher contemporânea tem que conciliar, especialmente quando tem filhos. É do signo de Leão, ascendente em Virgem e no horóscopo chinês Macaco. Isso explica muita coisa.

 

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Memórias

Eu e uns amigos e colegas de trabalho criamos o hábito de uma vez por ano, sempre no mês de fevereiro ou março, fazermos um peixe na brasa regado a vinho (bem, o vinho a gente bebe) aqui em casa. Devido à pandemia, não fizemos em 2020 e 2021, mas fizemos em 2023. Desta vez estava somente dois amigos e familiares. Apesar de ser verão, não estava tão quente, a chuva deu uma trégua e tivemos um dia muito agradável.

Gostamos de filosofar sobre a vida, sobre o “ser” Humano e andando pelo gramado, tivemos uma conversa até que calorosa sobre… memórias. O que são memórias? Para que servem? Se vivemos de memórias, vivemos no presente ou do passado que se faz presente? E o futuro, criamos ou repetimos conforme as memórias?

Pois bem, memórias! Memórias são nossas experiências, positivas ou negativas, armazenadas em nosso corpo. A ciência diz que a memória celular, biológica, é feita somente em torno dos nossos dois anos de idade e que antes não é possível. Mas não fomos gestados na barriga de nossas mães? E até os dois anos, as experiências não se tornam memórias? Aí os cientistas denominam como memórias de consciência (sensorial, que faz parte das memórias implícitas ou inconscientes) e elas determinam muito dos nossos padrões comportamentais como adultos.

Uma amiga de longa data falou da sua preocupação e dificuldade com o seu filho Gabriel, de quase dois anos, em não deixar escovar os dentes e que já faziam cinco dias que não escovava. Ela o levou em dois especialistas que disseram que é mimo, que ele é manhoso. Ela em tom de desespero: O que fazer? Eu disse que achava que não seria manha não e aí eu perguntei: Mas ele não teve dificuldade em pegar o peito e a mamadeira? Ele não teve que fazer uma pequena intervenção (cirurgia) na língua? Ela respondeu: verdade, e com 25 dias após o nascimento. Bingo! Por isso não deixa ninguém mexer na boca dele. Qualquer pessoa que pense em mexer na boca dele, ele percebe como uma ameaça, um perigo e agora um pouco maior e com mais habilidades corporais aprendidas, se defende.

Essa memória do Gabriel o faz se defender do que tanto, uma vez foi invasivo, o agrediu. Ele ainda tem desenvolvido o cognitivo. Ele não consegue explicar, é impossível, só que o corpo sabe. E foi uma agressão para a mãe e o pai também. Eles disseram: Como que não dissemos isso para os médicos? Expliquei que tinha sido traumático para os dois também e que dores assim a guardamos para poder suportar e sobreviver. Eles sentiram, de imediato, um alívio e que agora (o que era Implícito, se tornou explícito) o Gabriel pode ser devidamente cuidado e o trauma, curado.

Todos nós temos memórias de rejeição, abandono, humilhação, traição, injustiça, desvalorização, assim como temos memórias de conquistas, experiências gostosas (comidas também, hum!), ainda mais quando nos sentimos seguros, amados, momentos prazerosos e de muita alegria com familiares e amigos. Quando faço café, ao sentir o seu cheiro, memórias sensoriais e emocionais de acolhimento, relaxamento e desfrute são ativadas. Quando bem criança, tive estas experiências positivas na casa de uma avó.

Hoje mesmo vi fotos e vídeos de Malta e Itália, viagem que um casal de amigos fizeram no mês passado. UAU! Que delícia foi vivenciar as experiências positivas, agradáveis que tiveram. E que agora, as memórias deles fazem parte das minhas. E essas memórias me fez relembrar a viagem que eu e minha família fizemos para a Itália, dez anos atrás. Momentos deliciosos. Lembro que em Siena, minha filha mais nova, com 07 anos, na Piazza del Campo corria por toda a praça, brincava feliz, livre, leve e solta e perguntamos para ela: Maria, como se sente? Ela respondeu: em casa, já conhecia este lugar! Pois bem…memórias precedentes.

Que futuro é possível criarmos? Depende das memórias que mais vivemos no presente. São mais as positivas ou negativas? Todos queremos a felicidade, amar e sermos amados e ninguém gosta de sentir dor, medo, culpa, sofrer e aí as afastamos, as deixamos guardadas (inconscientes) em nossos corpos, só que ao fazermos isso, o que acontece? Atraímos as pessoas e as situações não resolvidas que se repetem por meio dos relacionamentos abusivos, perdas, doenças físicas, mentais e emocionais.

E se ativarmos as memórias do amor e segurança, podemos aceitar e acolher as dores em nós, transmutá-las e vivermos um futuro com mais leveza e com mais momentos de alegria e felicidade.

Wlamir Stervid – Trabalha como Coach Somático e desenvolvimento de Liderança. Um dos coautores do Livro Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos aqui do Belas Urbanas e adora atividades com amigos e familiares na natureza como caminhada, pedalar, fogueira e por aí vai.
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Sensorial

Brisa gelada
Redondo caminho
Algodão doce, maresia

Heidi na tela
Mar pacífico,
Gaivota no ninho
Carioca no carteado
Minha vó,
Com sorriso do lado

Melancia e um bom vinho.
Partiu? Pra onde?
Quintero, los enamorados
Pinheiros cercados
Vista à vista,
Um barco, o oceano…
Sempre…as memórias
Um bom ano
Cheio de histórias.

Macarena Lobos –  Bela Urbana, formada em comunicação social, fotógrafa há mais de 25 anos, já clicou muitas personalidades, trabalhos publicitários e muitas coberturas jornalísticas. Trabalha com marketing digital e gerencia o coworking Redes. De natureza apaixonada e vibrante, se arrisca e segue em frente. Uma grande paixão é sua filha.
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Terra molhada

Se tem um gatilho universal para a memória, é o cheiro de terra molhada.

Feche os olhos por um instante e imagine esse cheiro. Onde você foi parar? Vou falar por mim.

Uma janela, a luz difusa do sol promete um lindo dia, o sabiá cantando, a sombra das folhas e galhos na parede. Cheiro de terra molhada denuncia a chuva da noite. Fico deitada, só mais um pouquinho, ouvindo os sons, enebriada pelas sensações.

Um pomar, a liberdade de correr, sem medo de se molhar na chuva quente do verão. Ou pelas ruas do bairro, poças que refletem o céu.

À entrada da casa um tapete ou paninho, pois aos pés descalços só resta tentar limpar o quanto der.

Ainda chove? Talvez. O cheiro de terra molhada persiste ainda.

Um outro dia, a terra molhada, cadernos e apostilas, que desperdício de tempo. Uma pausa, cheirinho de café e pão de queijo e volta para os estudos. O diploma prova um tempo bem gasto.

Cheiro de terra molhada, uma taça de vinho para celebrar. Um toque macio, o cheiro de outra pessoa a me amar.

Terra molhada. Os filhos correm lá fora, foram ensinados a também reverenciar as dádivas da natureza. A vó acha que podem ficar gripadas, mas não, mãe, deixe que aproveitem.

A vó é tão divertida, gritam os netos – a vó agora sou eu – que comigo correm na terra molhada. Na entrada da casa do rancho, um pano, pois nossos pés descalços precisam limpar a terra e a grama neles grudados. O vô traz o pão de queijo e o suco para as crianças e, para mim, café com beijo quentes.

Uma luz difusa entra pela janela, a sombra de galhos e folhas na brisa, o sabiá está cantando e o cheiro da chuva que passou, terra molhada, anunciam um belo dia pela frente, com as memórias daquele lugar especial. Todo dia é especial, mas alguns são mais que outros.

Synnöve Dahlström Hilkner – Bela Urbana, é artista visual, cartunista e ilustradora. Nasceu na Finlândia e mora no Brasil desde pequena. Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela PUCC. Desde 1992, atua nas áreas de marketing e comunicação, tendo trabalhado também como tradutora e professora de inglês. Participa de exposições individuais e coletivas, como artista e curadora, além de salões de humor, especialmente o Salão de HumBelor de Piracicaba, também faz ilustrações para livros. É do signo de Touro, no horóscopo chinês é do signo do Coelho e não acredita em horóscopo.
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Fragmentos de um diário 2

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“…. mas nesse últimos dias ando repensando e revendo certas coisas e venho concluindo algumas coisas importantes. Mudar não é fácil, mudar comportamentos é mais difícil ainda, mas o primeiríssimo passo é percebermos que precisamos mudar, melhorar. Penso individualmente o quanto preciso melhorar, controlar minha ansiedade, meu lado impaciente que gera momentos desgastantes, sorrir mais, enfim, aprender mais, melhorar, crescer e ter sempre meus objetivos de vida de acordo com minha vida. Isso que escrevo não é nada negativo, pelo contrário, é primeiro passo, é uma auto-análise de como ainda posso melhorar.

Que bom que posso e que podemos sempre melhorar, que bom poder enxergar isso e mais ainda, ter a chance de fazer acontecer. Porém, mudar comportamentos é difícil, comportamento coletivo, mais difícil ainda. O que quero escrevendo isso é que todos percebam o seu papel, que todos estejam de acordo com seu objetivo de vida, que todos estejam sempre pré-dispostos a melhorarem e com isso fazer as coisas melhores. É questão de postura de vida, do acreditamos ser certo ou errado.

Precisamos estar mais pré-dispostos ao sim. Que tal tentarmos antes de dizer não. Que tal avaliarmos se não damos conta antes de dizer não. Posturas positivas e negativas. Aonde quero estar? Aonde queremos estar?…”

01 de março – Giza Luiza – 30 anos

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Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência  Modo Comunicação e Marketing  www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos. 

 

 

 

 

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QUEIJO OU BEIJO?

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Queijo ou beijo?

Beijo ou queijo?

Dou um beijo ou como um queijo?

 

Queijo ralado,

queijo mussarela,

queijo gorgonzola.

Beijo no rosto,

beijo na testa,

beijo na boca.

 

Queijo com presunto

Beijo com abraço

Queijo do Alemão

Beijo do Negão

 

Queijo comprado pode

Beijo roubado também

Beijo comprado não pode

Queijo roubado também não

 

Queijo é saboroso.

Beijo é amoroso.

Doce de queijo é bom.

Beijo doce também é bom.

 

E agora?

Dou um beijo ou como um queijo?

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Adriana Chebabi (aqui desenhada pelos olhos de sua filha Carol) – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência  Modo Comunicação e Marketing  www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos. Entre um queijo e um beijo, prefere o beijo 🙂

 

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O click de Alexandra

Edição 1

Alexandra tinha 49 anos, faltavam 05 meses para seu aniversário de 50. Os amigos do trabalho toda hora perguntavam: “- E a festa Alexandra como vai ser?”. Outros diziam: “ – Tem que comemorar com um festão a data”.

Alexandra, ouvia, esboçava um leve sorriso e pensava:  “é até que  seria bom, afinal nem festa de 15 anos eu tive”, mas aí, logo em seguida, pensava em todos os gastos extras, no marido sempre tão indiferente,  e sua  vontade já morria nesses pensamentos.

Ela vivia como muitas mulheres vivem nessa fase da vida: as rotinas da casa, as rotinas do trabalho e algumas idas ao Shopping com Aninha, sua melhor amiga desde os tempos do colégio.

Alexandra não era feia, mas digamos que pedreiro nenhum assobiava quando ela passava. Ela não era gorda, mas não era magra, vivia com um óculos do século passado, as roupas pioravam a situação, brincos, colares, pulseiras, ou qualquer tipo de bijuteria ou acessório não existiam em seu guarda-roupa. Esmalte? O mais ousado era “renda” e mesmo assim, por economia, só uma vez por mês.

No trabalho, Alexandra, sempre foi exemplar, uma contadora de mão cheia. Entrou na “firma” quando ainda era estudante universitária. Aplicada, dedicada, foi logo contratada. Ela cresceu com a firma de contabilidade nesses últimos trinta anos. O que era uma pequena empresa passou a ter uma equipe com mais de cem pessoas, hoje com vários profissionais diferentes: contadores, advogados, estoquista, a equipe de TI,  a assessoria de imprensa etc. Alexandra apesar de ter crescido no trabalho, ficava sempre muito isolada,  muito formal com todos, muito e somente em seus números e cálculos.

Eis que um dia, nesse mesmo ambiente, ela recebeu um e-mail que tinha como assunto “do seu admirador secreto”. Ela abriu o e-mail que estava escrito “Te vejo passar todos os dias, conheço seus passos de longe, seu perfume, o som da sua voz… e abra aqui para ler todo o resto”.

Ela deletou e pensou:  “Bobagem. Só  que a mensagem não saia da sua cabeça e pensava: “Será mesmo que ele me conhece?”

Coincidência ou não, no dia seguinte ela mandou fazer lentes de contato e resolveu aposentar os óculos.

Os e-mails continuavam a chegar, a cada dois dias o mesmo e-mail aparecia, e consequentemente, ela não abria e deletava , mas…se abria para  novas e pequenas atitudes: um batom mais forte, um corte de cabelo moderno, um salto alto, uma roupa mais justa. A cada e-mail não aberto, uma mudança no visual e na alma, e começava a sentir o mundo como há muito não sentia, sem perceber ficou mais leve, alegre, sorridente. Resolveu participar dos “happys” da “firma”.

Mas a curiosidade não saia da sua cabeça, quem seria que mandava os e-mails? Um dia desconfiou do jovem rapaz que cuidava da rede, era um moço bonito, alias, cá entre nós aqui, bem bonito, moreno, com um lindo par de olhos verdes e no auge dos seus 26 anos.

Primeiro seus pensamentos foram cruéis consigo mesma. “Que absurdo você tem idade para ser mãe dele, ele combina mais com sua filha, mas também começaram a vir outros pensamentos: Se essas atrizes da TV namoram garotões, por que eu não posso?”.  E na sua cabeça começaram a parecer todos os casos iguais em que conhecia que ela acreditava que “foram felizes”, pelo menos por um tempo, porque ingenuidade de acreditar no  “felizes  para sempre” ela já não tinha mais.

O marido, alguns anos mais velho, continuava no mesmo passo. Todo dia quando ela chegava em casa, encontrava ele na frente do computador comendo queijo e gelo. Ele não a via, não reparou no novo corte de cabelo, nas unhas vermelhas, nas calças mais justas. Um dia ele olhou mais demoradamente para ela e ela pensou:  “Ele vai falar, reparou”, mas não, só olhou mais demoradamente mesmo e nada disse, talvez tenha pensado, talvez tenha faltado coragem, talvez, talvez…o certo é que voltou para seu computador, seu queijo e seu gelo.

A filha de 16 anos reparou – mulheres sempre reparam – e gostou da nova mãe que via; o filho de 18 anos só pensava no vestibular e, como pai, talvez não fosse um bom reparador.

O moço da rede em um desses “happys” da firma ficou do seu lado. Conversaram, flertaram, e ela, certa que era ele perguntou depois de alguns chopes:

– É você?

E ele:

– Eu o quê?

– Me fala vai? É você?

– Você fica feliz se eu disser que sim?

– Sim

– Então digo que sim, só para ver você feliz.

– Amanhã vou abrir.

– O quê?

– Você sabe.

– Sei?

– Sei que sabe.

– Não sei.

– Sabe sim… Vou abrir heim…

– Hum, então vou esperar… que horas vai abrir? Onde?

Ela riu. Ele não entendeu.

E no dia seguinte ela abriu e literalmente, coincidência ou não, destruiu toda a segurança da rede da “firma”. O e-mail era um desses “supervírus” da informática que clonam os computadores, roubam as informações, e em uma firma de contabilidade isso era o pior que pode acontecer.

O escritório parou. O espanto, os comentários eram gerais: “Por que ela fez aquilo?”, “Que ingênua”, “Por que abriu esse tipo de e-mail?”, “Coitada, vai perder o emprego”. Os olhares eram os piores possíveis. A situação foi tão séria que ela foi mesmo mandada embora, mas ela não se abalou, algo de fato, tinha mudado.

Colocou suas coisas na caixa, deu tchau para poucos amigos que não a julgaram, deu  um ”up” na maquiagem . Quase indo embora, encontrou o moço da rede e disse:

– Eu disse que ia abrir.

Ela caiu na gargalhada e ele também.

Ele levou a caixa para ela até o carro e apanhou no jardim uma flor que entregou para ela. Ela ficou tão emocionada que seus olhos se encheram de água, e pensou:  “Há quantos anos não ganho flores?”.

Dias depois resolveu que não compraria mais queijo e se deu conta de que não gostava de nada gelado. Chega de gelos. Colocou um ponto  final no casamento e, quando saiu para caminhar na rua, ficou muito feliz com todos os assobios que ouviu dos pedreiros.

PS.: A festa de 50 anos foi de arromba, sem economias, dançaram todos até o sol nascer. Os amigos da “firma” foram em peso. Os amigos da ginástica. A turma da faculdade e do colégio foram  reencontrados e também foram. Foi realmente um festão. O gatão dos olhos verdes também foi… mas essa história eu conto em outra.

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Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência  Modo Comunicação e Marketing  www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos. 

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Bosta por bosta: Beto Arnaldo Costa

editada shutterstock#E65207 (2) foto Belas - Beto Arnaldo Costa

Lucia passou a faculdade inteira ouvindo Silvia, sua melhor amiga, falar: – Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa.

A prova era difícil? E já ouvia Silvia: – Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa.

A carona furou para a faculdade e só sobrava ir de ônibus, lá vinha Silvia: – Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa.

Até em festa, quando seu paquera resolvia beijar outra menina, ela olhava para a amiga, mostrava outro rapaz e soltava: – Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa.

Lucia achava aquilo engraçado e diferente e começou a repetir a tão profunda frase em qualquer situação que não fosse a sua primeira opção, assim como sua amiga Silvia fazia.

Lucia, que até então nunca tinha questionado, perguntou para Silvia: – Quem é afinal esse tal de Beto Arnaldo Costa?

E Silvia: – Beto Arnaldo Costa foi um candidato a político na região da minha cidade que na última eleição foi para a TV e falava: “Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa”.

Lucia achou aquilo deprimente e pela primeira vez já não achou engraçada essa frase. Como a maioria dos jovens, Lucia era idealista, acreditava que poderiam existir bons governantes. Achou aquilo ridículo e quis dialogar com a amiga a respeito. Silvia, que tinha outros interesses, achou aquela falação uma chatice e disse:

– Que bobagem, Lucia, é engraçado!

Silvia, que de alguma forma ganhou fama com a fama da frase, não queria abandonar isso agora.

Lucia percebeu naquele dia que via o mundo de uma forma diferente de Silvia, mas, como eram ainda tão jovens, essas diferenças ainda eram pequenas e toleráveis.

Os anos passaram rápido. Lucia foi estudar no exterior, morou anos fora, conheceu novas culturas, novas pessoas, resolveu fazer uma segunda faculdade e depois ainda uma terceira, de jornalismo e sociologia. Fez muitos cursos, deu também muitos cursos, virou correspondente internacional de uma grande emissora de TV, virou editora-geral de um grande jornal. Na vida pessoal, alguns namorados, um quase marido – quase porque Lucia desistiu de tudo quando tudo já estava marcado. Quanto mais crescia na vida profissional, mais achava os homens sem graça. Ninguém já há um bom tempo despertava seu interesse.

E Silvia? Lucia perdeu o contato com Silvia logo após a formatura. Teve notícias de que ela voltou para sua cidade no interior, mas cada uma seguiu seu rumo e naquela época, sem celular, internet, perder o contato das pessoas era realmente fácil.

Lucia até tentou há alguns anos achar Silvia pela internet, mas sem nenhum sucesso.

Eis que um dia, no jornal em que trabalha, um dois mais importantes do País, Lucia foi convocada para uma reunião com a diretoria e recebeu a missão pessoal de entrevistar o Sr. Beto Arnaldo Costa.

– Como assim? – perguntava ela, toda surpresa. – Quem? O bosta por bosta?

– O que é isso, Lucia, está delirando? Contenha-se – disse o superintendente do jornal. – O Sr. Beto Arnaldo Costa tem feito um trabalho muito interessante e revolucionário com o lixo reciclável e por isso estamos querendo fazer uma série de reportagens sobre o assunto. E o Sr. Beto Arnaldo Costa será o primeiro entrevistado; o jornal tem interesse particular nesse caso e por isso estamos designando você para fazer isso pessoalmente.

Lucia achou aquilo estranho. Não que não pudesse acompanhar e entrevistar pessoalmente alguém, na verdade gostava de fazer isso, mas justamente o “bosta por bosta”, pensava ela. Foi quando se deu conta de que nunca soube mais nada sobre essa história, nem se era verdade e o que era verdade. Como toda boa jornalista, resolveu investigar, mas não teve sucesso, pois essa história era do começo dos anos 80 e Lucia agora tinha acabado de virar o século, ou seja, ainda existia muito a ser digitalizado, principalmente nos pequenos jornais das pequenas cidades.

Chegou o grande dia da entrevista. Haviam marcado em um restaurante chique de São Paulo. Lucia já estava impaciente, o tal Beto Arnaldo Costa estava atrasado 30 minutos e ela não aguentava mais tomar suco de laranja e comer os pães. A imaginação corria a mil, pensava em como ele seria. Já tinha em mente que seria um homem chato, grosseiro, sabia que tinha 52 anos e já imaginava um homem careca, gordo, muito gordo e de pé pequeno.

– Por que estou pensando no pé desse homem? Dizem que o pé tem o mesmo tamanho de um outro órgão masculino – talvez na verdade fosse nisso que ela pensasse.

Virou-se para a bolsa para atender ao telefone e já ia dizendo alô, quando uma voz grave disse:

– Você é Lucia?

Ela se virou rapidamente e por uns instantes ficou boquiaberta, com o pão na boca e o celular no ouvido, quase engasgou, fechou a boca e ainda ouviu:

– Desculpe o atraso, o piloto do helicóptero foi avisado que se tornou pai no meio do voo. Fiz questão de que voltássemos para que ele pudesse estar com o filho e tive que pedir outro piloto. Eu estava sem seu celular, pedi que meus assessores avisassem o jornal, você recebeu o recado?

Lucia estava zonza e, ainda com o celular no ouvido, disse no aparelho: – Depois te ligo.

E, ainda em susto, dirigiu-se ao elegantérrimo senhor, nada barrigudo, nada careca (só ainda não tinha visto seus pés), e perguntou: – Você é o Beto Arnaldo Bosta? Quer dizer, Costa.

Ele sorriu e, muito fino, fez que não escutou o trocadilho com seu sobrenome e disse: – Sim, sou eu.

O almoço foi ótimo, conversaram por mais de 3 horas sobre o lixo reciclável, sobre o projeto com a periferia da cidade de Arinápolis, interior da Bahia, sobre educação, sobre cultura, sobre, sobre, sobre… Lucia estava encantada como há muito não ficava com alguém. Mas a pergunta não saía da sua cabeça: – Será ele o tal Beto Arnaldo Costa, que é o bosta por bosta?

Às 17h ele pediu desculpas e disse que tinha uma outra reunião de trabalho e que precisava ir, mas perguntou se ela poderia jantar com ele, assim continuariam a conversa. Ela aceitou e ele disse que às 21h30 o motorista a apanharia na sua casa. Ela disse que não era preciso, mas ele fez questão, e ela aceitou.

Voltou para a redação encantada e encucada: – Seria ele (aquilo não saía da sua cabeça)?

Pensou em Silvia, mas não tinha mais nenhum contato com ela e lembrou-se do nome da cidade da amiga, era do interior de São Paulo. Procurou pelo sobrenome Knoschi. Como era um sobrenome incomum, talvez fosse possível achá-la ou então algum parente, mas nada, ninguém com aquele sobrenome nas listas. Com seu espírito investigativo, resolveu ligar para uma pessoa aleatória da cidade e perguntou se conhecia Silvia Knoschi ou alguém da família Knoschi. A pessoa até que teve boa vontade – pequenas cidades do interior ainda preservam esse espírito cooperativo nas pessoas –, e Lucia deu sorte, a senhora que atendeu ao telefone conhecia Inês, a mãe de Silvia, e disse que Inês tinha morrido há mais de 15 anos, e Silvia, como não tinha parentes na cidade, mudou-se e nunca mais apareceu por lá. A mulher disse:

– Só sei que ela enricou, casou e mudou. Não sei se a ordem é essa, talvez seja casou, enricou e mudou, mas por que você está procurando por ela? Ela sempre foi muito antipática, por aqui ninguém gosta dela nem daquele marido… Agora tenho que desligar, meu bolo vai queimar.

– Tudo bem… Muito obrigada…

Sem pistas, Lucia foi se arrumar para o jantar.

Às 21h30 pontualmente estava o chofer, ela estava elegante. O restaurante japonês era o melhor e o mais caro da cidade. Beto Arnaldo Costa já estava a sua espera, elegante, gentil, sorridente, e ela: – Oi, Bos… Costa.

A conversa foi perfeita, já tinha material para o artigo, mas o jantar se estendeu para outros assuntos. Por mais incrível que possa parecer, ela desandou a falar de vários assuntos pessoais. Ele, já mais reservado, falou somente sobre seu sucesso no projeto de reciclagem.

– Como ele é interessante – ela pensava, mas também se pegou pensando: – “Será ele?”, “Não é possível, ele é tão educado, culto, fino, mas e esse nome igual?”.

O jantar foi maravilhoso. Ele, com seu chofer, a deixou em casa, despediram-se com um beijo no rosto e ele disse que na próxima semana estaria em São Paulo e perguntou se podia ligar para ela.

– Claro que sim – disse ela prontamente.

A entrevista ficou ótima. O superintendente deu parabéns e ela sugeriu um artigo mais detalhado sobre o projeto da reciclagem e das famílias envolvidas, e a ideia foi aprovada. Lucia estava muito empolgada, encantada, sorria à toa, não tirava da cabeça Beto Arnaldo Costa. Parecia uma adolescente apaixonada… Ele enviou flores e uma corrente de ouro com uma ametista quando a matéria saiu, foi um sucesso, a mídia começou a falar bem desse homem.

Na semana seguinte estava ele em São Paulo e convidou-a para ir com ele para Paris, assim ela acompanharia mais sua vida e teria mais subsídios para continuar a matéria. Ela, que sempre foi tão sensata, aceitou assim de imediato, tudo pago por ele, primeira classe. Lucia já conhecia Paris, mas desta vez a ideia de Paris lhe pareceu a mais perfeita possível.

Para quem achava todos os homens a seu redor tremendos bobos, Lucia surpreendia a si mesma de tão sem críticas que estava para Beto Arnaldo Costa. Foram juntos no avião. Descobriu que ele tinha interesse em associar-se ao jornal em que ela trabalhava, lembrando que era um dos maiores jornais do País. Descobriu também que ele tinha sido pastor de uma igreja. Em outros tempos isso já seria motivo de cartão vermelho, desta vez nem amarelo. Ela não se reconhecia.

Costa, como era mais conhecido pelos aliados, era sorridente, elegante e político. Sim, ele era político, mas ela já tinha até esquecido a história do “bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa” e quando lembrava já tinha certeza que não tinha nada a ver, que era só uma coincidência de nomes. Estava convencida de que ele era um grande homem, quase convencida de que ele estava interessado nela. Ele de fato se insinuava para ela, mas não passava disso.

Chegando ao hotel, ainda na recepção, o celular dele tocou. Com uma voz melosa, amoroso, dizia: – Tudo bem, amor, será breve, pode me esperar. Desligou, olhou para Lucia e disse: – Vovó – ela achou lindo esse carinho com a avó, nossa, ele ainda tinha avó.

Lucia era só elogios para Beto Arnaldo Costa. Jantaram juntos e ela achou que seria uma noite mais profunda. Pensava no pé, que ainda não conhecia, mas nada! Beto Arnaldo Costa deu aquele lindo e branco sorriso de propaganda de creme dental e se recolheu ao seu quarto. Ela não aguentou e pensou: – “Bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa”. É isso, ele era o cara. Ela decidiu: daria um jeito nessa timidez, só podia ser isso e nem combinava com ele, afinal.

No dia seguinte, um imprevisto e Lucia não pôde acompanhar Beto em um compromisso. Ele deixou um bilhete embaixo da porta escrito à mão: “Querida, tenho que ir às pressas para uma reunião, mas volto para jantarmos juntos, te chamo na sua suíte às 22h”.

Seu coração disparou, ela sentiu-se como Julia Roberts em Uma Linda Mulher e aproveitou o dia para comprar um lindo vestido vermelho decotado de Paris. O relógio andava devagar. Lucia foi fazer massagem, drenagem, depilação, escova, banho de espuma e às 22h estava pronta com seu lindo vestido vermelho decotado e sexy, sim, muito sexy. Recebeu um telefonema da recepção que era para ela descer direto para o restaurante do hotel. Fez isso e se dirigiu em câmera lenta, só faltava a música de fundo para parecer filme, mas ela sentia a linda música de fundo. O vestido, para ser bem sincera, não fazia nada seu estilo, até incomodava um pouco, um super decote na frente e um super/hiper decote nas costas até quase o rego, além da fenda na perna esquerda até a coxa. Era bem incômodo e nada a ver com seu estilo. Vocês não têm noção de quanto equilíbrio ela teve que fazer para que nada saísse do lugar, mas pensava: – “Valeria a pena”.

Mas a música suave e romântica que seus ouvidos ouviam no trajeto até o restaurante se tornou música de terror, pois ela, assim que pisou no restaurante, viu de longe Beto Arnaldo Costa, mas quem veio direto ao seu encontro foi ninguém menos que Silvia, sim, Silvia, sua amiga dos tempos da faculdade. Um pouco diferente do que era, é certo, mas sorridente, com os dentes muito brancos – eles não eram tão brancos assim; muito loira, com um cabelão, um bundão e, além de tudo, simpática, e ela nem era simpática.

– Lucia, minha querida, que saudades!!

– Você aqui, Silvia… – Lucia respondeu em estado de choque.

– Quis fazer uma surpresa para você, por isso não pedi para o Beto…

– Arnaldo Bosta, ops, Costa.

– Isso mesmo, para ele não contar nada para você.

– A vó era você?

– Claro, meu bem, sempre atenta, Lucia, por isso se deu bem como jornalista. Já eu, já sabia que a salvação seria um bom casamento. Quando voltei para minha cidade, fui trabalhar na prefeitura e o conheci, virei sua assessora e depois você sabe, né, ele é tão charmoso…

– Mas e a história do bosta por bosta?

– Querida, pelo visto você continua a mesma idealista de sempre. Bostas todos são… então bosta por bosta, Beto Arnaldo Costa – e ria.

Lucia, pela primeira vez, se sentiu muito ridícula, envergonhada, aquela roupa parecia chumbo, pesava horrores; o encontro com a velha amiga não poderia ter sido em pior momento. Queria fugir dali, tirar aquela fantasia de mulher ultra super sexy que nada tinha a ver com ela, como se sentiu mal… Chegou a ter ânsia – “Que vontade de vomitar naquilo tudo, naquelas pessoas vazias, naquela fútil e egoísta da Silvia, ela sempre foi assim, como consegui ser amiga dela na faculdade? E esse Bosta… pastor de igreja, político que usa esse refrão… E o jornal? Tudo interesse político, que coisa feia, suja”.

Lembrou-se da mulher do telefone falando da Silvia e do marido. Com certeza aquele projeto de reciclagem tinha mais interesses por trás, além da compra de um percentual do jornal. E ela, que sempre foi tão boa repórter, como não percebeu nada? – se perguntava em seus pensamentos, sem parar. Sabia que no fundo seu encantamento cegou seus olhos. Como se sentiu tola, frágil! A ânsia de vômito veio tão forte, que não conseguiu segurar. Vomitou tudo, um grande e nojento vômito em cima de todos eles. O silêncio se fez. Todos imóveis. Paris depois desse dia nunca mais foi a mesma.

Os meses passaram e a segunda matéria não ficou boa, muito abaixo do grande talento de Lucia.

Então, ela tomou duas resoluções.

Deu o tal vestido vermelho para Isaura, a diarista, que ficou muito alegre com o presente e disse que a noite seria quente com o Carlão: – Ele diz que sou sua “piriguete”. Lucia riu e disse:

– Aproveita bem porque o estilo é “piriguete” mesmo – pensou que Carlão devia ter um pé interessante, mas isso ela não disse, é claro.

A segunda resolução foi tirar longas férias e conhecer o Japão, e foi para lá que foi, com foto do vestido vermelho em seu celular, que tirou antes de dá-lo. Estranho? Sim, mas nem tanto, era para nunca mais esquecer de como se sentiu por querer ser o que não era e para sempre lembrar que a vida precisa dos dois lados, o pessoal e o profissional. E se isso não acontece a contento, podemos ficar muito vulneráveis e nos apaixonar por qualquer bosta. Mas estranho mesmo era não perder a curiosidade sobre o pé do Costa, ops, do Bosta. Foi a única coisa dessa história que não ficou clara para ela, mas ela lembrava e ria olhando a paisagem pela janela do avião.

10959308_10203700598545176_5268303932415920241_n Dri perfil

Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência  Modo Comunicação e Marketing  www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos. 

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COITADINHA E A JANELA DA VIZINHA

shutterstock_155363555 - mulher e janela

Coitadinha tinha uma janela

marrom

A tinta não durava

descascava

Tinta de má qualidade

baratinha

 

Coitadinha se achava esperta

Adorava coisas baratinhas

Comprava MUITO

coisas baratinhas

INÚTEIS

feias

quinquilharias, muitas

mas, esperta que se achava,

baratinhas.

 

A tinta da janela descascava

A tinta do cabelo desbotava

A roupa não tinha caída

Os livros não importavam

 

Coitadinha tinha

03 “amigas”

01 “marido”

01 vizinha – sem aspas

 

A janela da VIZINHA não descascava

A janela da vizinha vivia ABERTA

A JANELA da vizinha era amarela

A janela da vizinha era maior que a dela

 

Coitadinha fofocava

Olhava a janela da vizinha

e fofocava

e procurava

lascas que não encontrava

 

Coitadinha se incomodava

Coitadinha sozinha chorava

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Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos. Está feliz com suas janelas 🙂

 

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A árvore, o tempo e ela.

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No meio da correria daquele dia, ela sempre estava correndo, contando o tempo para não perdê-lo. Sempre pensando no depois, se preocupava com tudo, para não faltar para ninguém que amava, mas naquele dia resolveu mudar o caminho…

O caminho no meio da tarde corrida.

Ela evitava passar por ali, a dor ainda era grande, mesmo depois de alguns anos. Fugia daquele percurso, mas ontem não, entrou naquela rua, parou na frente da casa que não existia mais – ela já sabia –, mas desta vez estava sem os portões.

Olhou o terreno de dentro do seu carro, caía uma chuva fina e o dia estava cinza. A árvore continuava firme, linda, no fundo do terreno.

Tão contida era ela, mas ali não se conteve, saiu do carro, pediu para o moço que limpava o terreno do lado – que agora eram um só – se podia ir até a árvore.

Andou devagar, o salto afundava na lama, aquela cena era incomum, ela sabia, cenas únicas, vividas em câmera lenta. Ela era a protagonista e naquele momento não quis saber do próximo instante, esqueceu de contar o tempo, esqueceu do que iria preparar para o jantar, dos óculos que tinha que levar para arrumar, do horário que marcou com a gerente. Só fez o trajeto devagar, sabia que era raro.

Chegou na árvore que continuava viva, rica, nascendo frutos. Encostou sua mão, fez uma prece. Chorou, de saudade, de emoção, nostálgica de algo que não existe mais. A árvore permaneceu, continuava forte. Os frutos estavam brotando, que emoção ver aquilo. Arrancou um galho, foi embora devagar, iria plantar.

O chuvisco bem fraquinho continuava, o moço, intrigado, perguntou:

– Acerola?

Ela olhou com lágrimas que teimavam em cair e só conseguiu dizer:

– Obrigada.

Entrou no seu carro, colocou o galho no banco do passageiro, respirou fundo, ligou o para-brisa.

Acelerou para o banco, tinha que pegar seu novo cartão, de novo voltou a pensar no que fazer para o jantar e em tudo que ainda tinha que fazer, mas o salto alto com terra denunciava algo sui generis.

Entendeu o tempo de uma forma muito clara, e ali, naquele instante, com aquela consciência, cara a cara com o singular, descobriu e entendeu o que significa quando dizem que novos dias nascem.

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Adriana Chebabi – Bela Urbana, idealizadora do blog Belas Urbanas onde é a responsável pela autoria de todas as histórias do projeto. Publicitária, empresária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing www.modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos.