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Meu relicário

Quando não sei o nome de algo, sofro para entender o que está acontecendo e a partir
daí construir sentidos. Não soube nomear muitas situações ao longo da minha vida,
nessas horas deixei que as emoções e sensações falassem por si só. Aos poucos, fui
conseguindo expressar melhor os sentimentos para assimilar melhor algumas percepções.

Tento, sempre que possível, fazer uma autoanálise para encontrar palavras escondidas
aqui e ali, e assim, entender melhor as experiências que vivencio no dia a dia.

Nas experiências da morte e do luto, busco recolher sentidos para compor meu relicário.
Para nomear as experiências, vou lembrando de histórias e assim, garimpando
preciosidades para guardar…

Minha bisavó dizia que eu nasceria no mesmo dia e mês que ela. Essa conjunção astral na
verdade não ocorreu. Escorreguei pelo ventre da minha mãe um dia antes da profecia da
bisa e um mês depois da sua morte. Esse fato marcou minha chegada ao mundo.

Quando eu nasci, fiquei sem nome por uma semana. Como meus irmãos tinham nomes
que iniciavam com a letra T, foram sete dias para encontrar algo que se encaixasse com
essa tradição familiar. Gosto, pois, silabicamente, é quase o mesmo nome de frente para
trás e vice-versa: Thalita – Talitha. Nunca entendi o efeito da letra H, mas compreendi um
elemento de força nele, por isso mesmo, vinte e quatro anos depois, repeti este enigma do
agá no nome do meu filho, Arthur.

Assim como o nome nos marca em nossa existência, compreender a vida pela imposição
da morte tornou-se um processo contínuo para mim. Minha lembrança mais marcante da
sensação de morrer foi quando vi minha avó pegar um cabo de vassoura e ir decidida até
o galinheiro no fundo do quintal. Estranhei ela pegar uma galinha pelos pés e, agilmente,
prender seu pescoço no cabo de vassoura sobre o chão. A asfixia reverberou em batidas
de asas desesperadas e, ao fim, ouvi um som estridente e estranho. Um assassinato
acabava de acontecer! Eu senti um vazio no estômago e uma ânsia, fiquei zonza como se
me faltasse ar. Após isso, o corpo da ave foi levado de ponta cabeça para um panelão de
água fervente. Depenamos a defunta e depois, abrimos sua barriga e separamos os
órgãos. “Cuidado com o fel”, disse a minha avó, “pode azedar a carne e estragar tudo”. Essa
rotina era, para ela, algo mecânico e necessário para a rotina do lar. Minha avó diz com
orgulho que foi a primeira mulher a vender frango limpo em sua cidade e me mostrou que
canja com pés de galinha é a melhor alimentação quando alguém está doente. Com o
episódio da galinha, entendi melhor quando as pessoas diziam que “perdiam o chão” com
a morte de alguém.

Em meu relicário, guardei uma pena.

Certa vez, numa aula de matemática onde reinava um silêncio amedrontador, bateram na
porta, era a diretora que, com os olhos preocupados, sussurrou algumas palavras no
ouvido esquerdo da professora que, aos poucos, foi ficando estarrecida até que pôs as
mãos na boca. Percebi que algo não estava bem. A diretora chamou a minha melhor amiga
e pediu para ela pegar o seu material e ir se encontrar com a mãe que a esperava em sua
sala, lá embaixo. Minha amiga saiu da sala sem entender nada. Na porta, vimos que
começou a chorar e foi abraçada pela diretora. Soubemos depois que seu pai tinha
morrido. Pouco falamos sobre isso. Quando ela retornou, dias depois, percebemos que
Ponto Final
evitava conversar sobre o assunto e nós fingíamos que nada tinha acontecido.

Em meu relicário, guardei uma folha de caderno em branco.

Quando meu pai fez quarenta anos, eu achei que ele ia morrer. Estava com nove anos e,
não sei bem o porquê, quarenta representava, para mim, o final da linha. Durante a sua
festa de aniversário eu ficava pelos cantos chorando, olhava para ele e achava que não o
teria por muito tempo. Minha mãe percebeu minha desgraça e conversou comigo. Ele
sobreviveu, passa bem e está hoje com sessenta e quatro anos. Exatamente dez anos a
menos do que a idade que meu avô tinha quando almoçou, foi dormir e morreu. Foi minha
irmã quem me avisou. Tinha acabado de voltar da escola, era final de tarde, ela olhou para
mim e, como se fosse um comunicado oficial, anunciou “o vô morreu, o pai e a mãe foram
lá para resolver as coisas”. Acho que sua confusão também era tão grande que ela soube
apenas voltar ao que estava fazendo e eu mergulhei à deriva em pensamentos confusos e
muitas lembranças. Perder alguém bem próximo é assim, acontece em um dia comum,
daqueles que você acorda, toma café, organiza a casa, vai para a escola ou para o trabalho,
volta e descobre que terá um velório naquela mesma noite.

Em meu relicário, guardei a lembrança de um pôr do sol.

Depois aconteceu com a Madonna, minha cachorra. Ao que parece o rim foi perdendo a
vitalidade. Pouco se falou da história. Ela foi levada ao veterinário e não voltou mais. Só fui
sentir o vazio dessa perda um tempo depois, ao rever uma foto dela, em que tive a
consciência de que nunca mais me aninharia em seus pelos ou dormiria aconchegada em
sua barriga. Não pude ritualizar uma despedida, talvez nem saberia o que fazer ou talvez
teria medo ou vergonha de expressar o que sentia.

Em meu relicário, guardei uma loba.

Ainda criança, minha avó sempre me levava ao cemitério. Quinzenalmente ela limpava os
túmulos dos conhecidos e levava flores frescas. Lembro dela praguejar àqueles que
deixavam flores de plástico por ali e me advertia que se fizessem isso com ela viria puxar
os nossos pés à noite. Me impressionava com o silêncio do lugar, com as fotos
descoloridas, os nomes e as datas. Exercitava os cálculos matemáticos para saber o tempo
de vida daquelas pessoas. Quando calculava uma existência com menos de cinco anos,
sentia um frio na nuca e uma tristeza desoladora. Acho que minha avó percebia e, para me
tirar do torpor, me perguntava se eu lembrava onde meu avô estava enterrado.

Em meu relicário, guardei mensagens de esperança.

Vinte e três de agosto é, para mim, uma data marcante. Foi quando meu tio/irmão morreu
de leucemia. O tratamento disponível possibilitou dezesseis dias para uma despedida que
jamais imaginaríamos fazer. Foi algo brusco! Ele fez parte daquela baixa porcentagem de
pessoas que apresentaram reações adversas por uma medicação. Tinha trinta e três anos.
Nesse dia, os médicos ligaram e pediram para a família ir até o hospital, minha mãe ficou
tão desolada que eu senti que precisava segurar a onda. Essa tensão gerou um epicentro
emocional e o tsunami me devastou, mas deixou o essencial para que permanecesse em
pé. Enquanto recolhia os cacos aqui e ali, me sentia navegando num singelo barco num
mar de águas profundas como se algo e não eu, controlasse meu percurso. Em pouco
tempo me casei, tive meu primeiro filho e um dia sonhei com meu tio/irmão onde me
abraçou e desejou paz, amor e luz. Foi muito bom!

Em meu relicário, guardei sonhos.

O tempo passou, mudei de cidade e sofri um aborto espontâneo. Perdi uma vida
intrauterina de dez semanas. Chamei-a de Catarina. Seu coração não bateu. Em meio ao
sangue e a dor das contrações de expulsão, fui arrumar o guarda-roupa e no silêncio
desse momento, encontrei apoio em meu companheiro e ao meu filho. Senti vergonha,
não sei por quê. Parecia que as pessoas próximas tinham medo de conversar comigo e o
que eu mais precisava naquele momento era de colo, de carinho e só fui conseguir
quando minhas avós me acolheram certo dia e narraram sobre suas experiências
abortivas. Com elas, eu pude entender que situações ruins acontecem e não temos
controle algum sobre elas, simplesmente fazem parte da Vida.

Em meu relicário, guardei o símbolo do infinito.

Como diz meu pai, coisas boas e ruins acontecem com todos. A cada nova experiência de
entrada ao mundo de Perséfone, a deusa grega do submundo e das estações, uma nova
marca na minha alma. Como tatuagens, tornam-se rituais de passagens que me ensinam a
estar à altura nesse momento tão misterioso.

Dizem que luto envolve luta. Mas quem, nesses momentos, tem forças? Para mim, tem
sido experiência solitária. Uma travessia constante por entendimento, uma jornada
noturna pelo silêncio.

Aos poucos encontro meu bando: pessoas que escolho compartilhar vivências e que me
acolhem como se estivessem bebendo água fresca com a mão em formato de conchinha.
Com respeito, me escutam sem julgar e me presenteiam, numa troca sincera, com as suas
histórias. Formamos círculos. Essas pessoas me apoiam e me fortalecem de tal forma que
me sinto aconchegada em uma colcha de retalhos macia e protetora.

Em busca de um santuário, vou para baixo de uma árvore. É ali que sinto saudades dos
que já se foram. Observo o farfalhar das folhas, sinto a textura do tronco e a magnitude
das raízes. O vento no rosto reverbera o voo dos pássaros… Esse relaxamento me conduz
para uma conexão profunda com a natureza, e ela me conduz ao encontro do infinito
daqueles que não estão mais aqui. Nessas horas, tenho a sensação de que as coisas
continuam e que a eternidade está na transformação. Vida e morte são apenas um “até
logo”.

Diante dessas e outras histórias, estou aprendendo a nomear minhas emoções. Quando
não consigo, empresto palavras dos outros. No mastro do meu barco imaginário, que faz o
percurso pelas águas da Vida, tem uma bandeira onde bordei uma provocação do
Nietzsche “Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”. Levo
também um diário de bordo, nele escrevo recadinhos, frases, pensamentos e sonhos. Um
amuleto que me lembra sempre de ir dormir em paz e de bem com as pessoas ao meu
redor, falar e expressar verdadeiramente o que sinto e estar presente nas coisas que faço.
E assim, vou compondo meu relicário da vida.

Thalita Jordão – Bela Urbana, é também professora e peregrina pelo mundo da leitura, arte e reinação. Gosta das paisagens geograficas, café com conversa fiada e sente uma atração imensurável pelos silêncios e mistérios da vida. Dizem que é estranha, mas ela se orgulha de ser amiga das bruxas.
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Pessoas, instituições e mensagens abusivas

Temos cada vez mais discutido as relações abusivas sempre dentro das relações entre sujeitos da relação, tanto aspectos dos abusadores quanto das vítimas, um debate urgente e extremamente necessário. Nesse sentido, observamos, discutimos e disseminamos características que nos alertam sobre como identificar, evitar, combater e denunciar atitudes abusivas que aparecem no abusador, perpassam a relação, atingindo o abusado, provocando toda sorte de traumas, prejuízos e sofrimento.

A questão que coloco aqui é adicional a esse debate. Quando não há um sujeito no lugar do abusador, mas sim uma instituição ou mesmo uma mensagem abusiva, o que devemos fazer? A ideia aqui é pensar: quando essa entidade que abusa não é um indivíduo, como devemos proceder?
Podemos usar exemplo claro: O corpo de discussão em torno da violência domésticas moveu e move a sociedade a compreender os sinais precoces dessa ocorrência, ajudando pessoas a evitar situações e pessoas, a buscar ajuda e, em última instância, debater ferramentas sociais que possam tipificar criminalmente esse tipo de violência, coibindo e punindo os abusadores. Assim, surgiu, por exemplo, a lei Maria da Penha, que por sinal homenageia a cidadã que militou fortemente nesse debate, após ser vitimada por esse crime.

Mas quando o abusador não tem cara definida, perdemos o referencial e a potência dessas ferramentas sociais de informação e justiça. Quando instituições ou uma enxurrada de conteúdo informativo surge, congregando indivíduos com comportamentos abusivos validados por esses conteúdos e instituições, temos condição de punir pontualmente individuo por individuo ou devemos agir contra essas instituições e mensagens nefastas?

É importante aqui definir o que são mensagens e instituições: Mensagens são ideias traduzidas em discurso, em texto, voz, ações, imagens, vídeos e qualquer suporte que possam disseminar e defender um comportamento abusivo de forma impessoal. Mensagens são construídas por pessoas que, muitas vezes fazem parte de instituições organizadas. Já as instituições são grupos de pessoas que se organizam formalmente em torno de algum objetivo em comum e que, por algum interesse particular, disseminam e validam atitudes abusivas.

Instituições usam de mensagens para disseminar seus ideais, objetivos e ações numa relação umbilical e, por não serem sujeitos passiveis de punição direta pelo ato, podemos responsabilizar seus autores ou líderes, as mensagens e instituições ainda podem continuar agindo.

Um meme, um vídeo, uma montagem ou postagem podem conter uma mensagem abusiva. Um grupo político, religioso, de assistência social pode validar ações coletivas de caráter abusivo. Mesmo um arranjo familiar é uma instituição, onde mensagens podem circular com a validação moral necessária para abusos injustificados. Mensagens e instituições são complexas, podem ser ambíguas, confusas e contraditórias, mesmo que, em seu discurso e atuação, demonstrem coerência e até boas intenções.

O objetivo desse ensaio reflexivo é colaborar com o debate sobre relações abusivas, extrapolando a análise dos indivíduos que compõe a relação abusador-vítima, entendendo que também nos relacionamos com instituições, mensagens, ideias e outras entidades que não personificam da mesma forma as estruturas abusivas que formam nossa sociedade, merecendo atenções específicas, combates específicos e ferramentas de identificação e coerção desses abusos, buscando, um efetivo progresso que garanta uma evolução social para todos.

Crido Santos – Belo urbano, designer e professor. Acredita que o saber e o sorriso são como um mel mágico que se multiplica ao se dividir, que adoça os sentidos e a vida. Adora a liberdade, a amizade, a gentileza, as viagens, os sabores, a música e o novo. Autor do blog Os Piores Poemas do Mundo e co-autor do livro O Corrosivo Coletivo.
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Autoestima

De uma maneira geral a auto estima é a visão positiva que a pessoa tem de si mesma. Essa imagem positiva faz com que ela valorize suas capacidades e competências e considera seus direitos e suas necessidades. Sem sombra de duvidas, as pessoas com uma auto estima elevada  sabem  reconhecer o seus valores,  sentem-se amadas, lidam melhor com os conflitos e frustrações, faz escolhas saudáveis no relacionamento, são mais criativas, consideram as pessoas em suas atitudes e  aceitam sem conflitos suas fragilidades e limitações. Enfim, estas pessoas tornam-se mais preparadas para enfrentarem os desafios e os obstáculos que a vida cotidiana proporciona. Uma boa auto estima desenvolve-se ainda na infância, pelas experiências de ser e de se ver como uma pessoa amada e estimada por suas relações parentais, a qualidade dessas experiências será o pilar que estruturará seu amor – próprio.

Agora o contrario acontece quando se tem autoestima baixa, as pessoas apresentam dificuldades em se relacionarem seja na vida afetiva, no trabalho e na vida familiar, tem dificuldades de dizerem não a pedidos de coisas ou situações que não lhe agradam, opiniões de terceiros tornam-se referencia  para elas que acabam se adequando aos gostos deles refletindo a perda de sua identidade e acabam se tornando reféns do seu próprio eu.

Pensando no caso da personagem Alessandra parece que lhe falta autoestima, pois tem inúmeras dificuldades em dimensionar suas escolhas, seja no trabalho, nas relações interpessoais e amorosas. Parece estar sempre com ideias de autodesvalorização e comportamentos que demonstram isso. No início mostra-se uma pessoa que não se sente capaz de ser amada e isso lhe traz um sentimento de inadequação diante da vida. Mas neste final parcial da sua historia ela começa a vislumbrar uma possível mudança para uma visão mais positiva de si mesma. E que mudança será essa, só saberemos nos próximos episódios da história.

Por fim, acredito que é muito importante que as pessoas possam buscar uma compreensão e desenvolver uma consciência saudável a respeito de si mesmo  para melhor administrar a sua vida e poder ser dono da sua própria história.

 

Adriana da Silva Britto – Psicóloga
Rua Dr. Alberto Cerqueira Lima,377/ Taquaral- Campinas/SP
Psicoterapeuta Especialista em Psicoterapia de Criança e Adulto.
Contato Clinica Tel(19)3383-3533/ Cel:(19)992069265