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Conseguir ressignificar

Escrever esse texto é provavelmente o mais difícil da minha vida. Algumas situações são escondidas por uma vida inteira. E quanto você cresce dentro de uma situação assim? Isso é um abuso? Se é, qual tipo é? Psicológico? Não sei se é…  Abuso moral talvez? Fui buscar o que se diz sobre abuso moral… não achei nada que se enquadrasse com precisão no meu caso, mas achei: “Assédio moral é a exposição de alguém a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. Geralmente, tal expressão se refere a atos ocorridos durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”… essa definição é a mais próxima, mas não é exata porque falo da minha vida pessoal, da minha infância, adolescencia e vida adulta. Falo sobre crescer em um mundo que não está dentro de um quadrado. E o mundo, apesar de ser uma bola redonda é muito quadrado e sendo esse quadrado, faz muita coisa ser presa e quando é presa, aprisiona também… em pensamentos que não podem se expressar abertamente, em corpos que não podem ser livres para amar, na frente de todos, os outros que de fato amam… e por isso, esse mundo quadrado, coloca ao quadrado mentiras. Eu cresci com algumas mentiras ao meu redor, mas mentiras, não excluem o amor, porque a mentira não era só para mim, era para o mundo. Era para sobreviver… mas a custas pesadas de outros… muito papo-cabeça para nada, muita obscuridade sem óculos, muito sofrimento oriundos de machismos estruturais, muita reclamação para a atenção ficar nos pormenores diários. Talvez esteja sendo difícil você entender o que quero dizer, assim como é difícil para eu falar sobre isso, falei tão pouco a vida inteira com outras pessoas sobre esse assunto…  Lembra que o mundo é quadrado e precisamos ser quadradinhos que se encaixam aí? É isso. Ainda não falo, porque eu sou a protagonista em um papel, o da minha vida, mas essa história envolve diversos outros protagonistas de suas histórias, então, em respeito a eles, ainda não falo abertamento, prefiro deixar a memória como foi até o final, como as crianças o viam. Meu pai era bisexual ou  gay, mas foi casado até o final com minha mãe, conheci o amante do meu pai quando eu tinha 12 anos, ele era legal comigo, me viu crescer, me formar, casar, ser mãe. Meu pai quase nunca viajava com a gente, mas viajava com ele e era constrangedor explicar essas viagens para amigas… eu nem contava, mas alguém, em algum momento, sei lá como, vinha e me dizia… seu pai está na Grécia? Porque não contou?… as viagens eram sempre nesse nível…e nós?…  para o litoral do nosso estado, nunca nada internacional…  dizia que era o amigo que pagava…. pode ser que sim… pode ser que não…. mas hoje, com clareza,  eu sinto como um ato egoísta. Quando eu disse que não se anula o amor, é verdade, o amor e o cuidado existia dentro da sua forma de ver o mundo e de fazer sua parte. Era amoroso, era responsável financeiramente. Nunca culpei ninguém de nada, mas hoje reflito sobre o impacto de crescer no meio de uma mentira, porque de tudo, é essa a questão… a mentira…. é aceitar alguém na sua casa, que nominalmente era o grande amigo e na verdade era o amante… é sobre achar tudo normal… não poder se revoltar porque  a revolta nem existia para algo que “não existia”, ou seja, me tiraram a chance da revolta que eu poderia vir a sentir….  O que posso dizer de todos os personagens envolvidos? Isso daria um livro… mas seria somente as minhas interpretações sobre o que vi e senti na vida sobre eles, sobre a minha e tão somente minha percepção e vivência.  Não falarei, não hoje, não agora… falarei só de mim… eu posso dizer que o impacto negativo disso tudo que mais tenho clareza, é um excesso de tolerância em diversas situações intolerâveis para a maioria das pessoas…. já aguentei sitações que por muito menos, muitos mandariam para aquele lugar… e eu… aguentei… e nem foi percebido por mim como algo pesado para eu aguentar…. tá achando isso bom? Não é, porque não eram situações positivas para mim, ou seja, tinha medo de perder, tinha medo de enfrentar, era mais fácil seguir daquela forma sem novamente me revoltar, sem ter uma consciência clara sobre o motivo que me fazia agir daquela forma…. mas por outro lado, sei também que tenho uma grande resiliência e que isso também veio do mesmo lugar. Maluco isso… Hoje me observo de forma mais consciente e  vejo as situações e como reajo a elas… como me posiciono… tudo tem haver com tudo… as vezes acerto, as vezes não…. sou uma aprendiz.  Consigo entender todos os lados, todas as dores de todos os lados dessas pessoas, e inclusive a minha. e com isso até as escolhas… mas de novo, viver na mentira é ruim. O amigo fez parte da nossa família por muitos anos, mas um dia acabaram…. o reencontrei muitos anos depois, cartas na mesa, acho que foi um alívio para ele e para mim também….  hoje nos vemos pouco, é casado e o marido nitidamente tem ciúmes de mim… de fora é fácil perceber….. cada qual com sua escolha e com seus aprendizados. Só me lembro de uma frase que alguém uma vez me disse, ninguém que está no enredo desse texto… “eu não fiz por mal” e eu respondi… “mas me fez mal”.

É isso, falei… Vamos falar e assim conseguir ressignificar o que nos fez mal, só assim podemos seguir em frente levando amor… e o amor que eu tenho em mim é muito grande.

Anônimo – Mulher, brasileira,  não quis ser identificada.

SOS – ligue 180

 

 

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Para ler e refletir

Em tempos de intolerância como os vividos e vistos nos dias de hoje, especialmente nas redes sociais, minha dica de leitura é o “Diário de Anne Frank”.

O livro é uma história verídica escrito pela jovem judia Anne Frank no período de 12/06/1942 até 01/08/1944 de dentro do esconderijo, um sótão de uma casa/escritório em Amsterdã. Anne Frank ficou escondida nesse “anexo secreto” como chamavam o esconderijo juntamente com sua família (irmã, Mãe e Pai), a família Van Pels (o casal Auguste e Hermann e o filho Peter) e também o dentista Fritz Pfeffer. Contaram com a ajuda externa de algumas pessoas entre elas Miep Gies e Bep Vos Kuijl, duas secretárias da empresa que estava instalada no prédio,  sem as ajudas de pessoas externas teria sido impossível sobreviver por esse período escondidos.

Anne começou a escrever o diário com 13 anos, passou anos preciosos das novas descobertas da adolescência presa no esconderijo, com medo. O livro relata o seu dia a dia neste local, a visão de Anne em relação a guerra, as dificuldades que cresciam com o passar do tempo dentro do esconderijo, a forma que cada um lidava com essa situação limite e as comemorações com as notícias positivas vindas de fora. Ela também descreve seus conflitos internos, a dificuldade de conversar com mãe, a admiração pelo pai e o encantamento e amizade por Peter, o jovem que também estava escondido e que era da sua idade.

Li o livro duas vezes, na primeira eu tinha a idade de Anne e me colocava muitas vezes no seu lugar,  isso me causava uma grande tristeza ao imaginar a situação de estar presa  em anos tão maravilhosos da juventude, mas me consolova um pouco com seu “romance com Peter”. Me perguntava: Por que essa guerra?

Quanto li pela segunda vez, foi a há dois anos atrás, já adulta, madura, mãe, inclusive de um filho adolescente. Nesse momento o foco do meu olhar foi maior, desde a percepção de como Anne Frank escrevia bem, tinha clareza de ideias e me parecia uma menina muito mais madura do que as meninas de hoje com essa idade. Chorei em alguns momentos, especialmente quando ela relatava sobre seus sonhos de um futuro que não aconteceu, por saber que nunca aconteceu, me doeu profundamente. Outra questão que me chamou  a atenção, foi o comportamento das pessoas de dentro do esconderijo com posturas mesquinhas, escondendo comida dos demais, sem querer dividir e com a postura inversa, a generosidade das pessoas que os ajudaram de fora do esconderijo, colocando literalmente suas vidas em risco.

A edição definitiva possui fotos e textos inédidos, foi a segunda versão que li e é essa que indico por ser mais completa, contém 30% a mais de material que a primeira versão.

Enfim, uma questão ainda permanece sem resposta para mim. Por que as guerras? Por que tanta intolerância? A humanidade ainda precisa evoluir muito para conseguir resolver seus conflitos sem tanto sofrimento. O “Diario de Anne Frank” na minha opinião é uma leitura fundamental para qualquer pessoa em qualquer idade, pois nos da um “chacoalhão” sobre essa questão, nos faz refletir sobre a tolerância e a intolerância e suas consequencias individuais e na sociedade. Passaram-se mais de setenta anos do início da segunda Guerra Mundial, mas sinto que as sociedades estão muito aquém de serem HUMANAS.

Vale a reflexão e vale trazer essa questão para nosso comportamento diário. Afinal, intolerância, leva a radicalismos, que leva a guerras, que leva vidas…

Título: original: The diary of a young girl

Autora: Anne Frank

Tradução: Ivanir Alves Calado

Páginas: 349

35 edição – integral e revista. Única edição autorizada por Otto H. Frank e Mirjam Pressler

Editora Record Ltda.

Adriana Chebabi

Adriana Chebabi  – Bela urbana, idealizadora desse projeto, publicitária, poeta e contadora de histórias. Divide seu tempo entre sua agência Modo Comunicação e Marketing www. modo.com.br, suas poesias, histórias e as diversas funções que toda mãe tem com seus filhos.